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É possível correr a queimar gordura?

É possível correr a queimar gordura?Os hidratos de carbono são um combustível mais do que reconhecido na prática desportiva, incluindo a corrida, mas a constante preocupação com o peso e a gordura corporal leva muitos atletas a adotar regimes alimentares com promessas de “magreza” instantânea. E mesmo não sendo de hoje, a dieta cetogénica aparece de vez em quando nas redes sociais com promessas de nos tornar máquinas de oxidar ácidos gordos. Mas será que é mesmo assim?

Conforme já falámos no artigo sobre os hidratos de carbono, os combustíveis eleitos pelo corpo dependem sobretudo da intensidade do esforço. Quanto mais intenso é o esforço maior a utilização de hidratos de carbono seja do glicogénio muscular ou do que tem disponível em circulação.

As vias aeróbias, ou seja, com oxigénio são mais recrutadas a intensidades mais baixas e a gordura é a fonte de energia de eleição no descanso. Porque é que isto acontece? Porque é necessário oxigénio para a oxidação dos ácidos gordos, entre outros recursos e a alta intensidade, o “fôlego” não é muito.

O que a dieta “cetogénica” promete é justamente obrigar o nosso corpo a utilizar a gordura como fonte de energia uma vez que eliminando os hidratos de carbono, promete que o corpo vá buscar esta segunda fonte de energia.

O que nos diz a ciência?

Parece haver um aumento da oxidação de ácidos gordos como fonte de energia durante o esforço sobretudo a intensidade moderada (1,2,3) (Zajac , Shaw, McSwinney).

Não foram reportados efeitos prejudiciais na performance nestes estudos. Mas há alguns fatores a ter em conta: os estudos foram feitos em atletas recreativos e na sua maioria reportam melhorias no peso e na composição corporal dos atletas o que per si pode melhorar até a economia de corrida e induzir alguma evolução4.

Por isso mesmo é necessário ter em conta o nível da prática do atleta. Louise Burke apresentou resultados diferentes em atletas de elite referindo que a alimentação rica em gordura, baixa em hidratos de carbono, prejudicou a economia de exercício e “anulou” os benefícios do treino na capacidade aeróbia em marchadores de elite (race walkers).

Esta é uma discussão que já leva algumas décadas, mesmo que nos anúncios das redes sociais lhe pareça “uma dieta nova e inovadora”. A recomendação deve ser sempre baseada na evidência científica e, a este respeito, já falámos dos possíveis benefícios da periodização dos hidratos de carbono sugerindo um possível benefício de ensinar o corpo a treinar com pouco combustível.

Além disso, este plano alimentar implica uma metodologia própria em que alguns dos alimentos nutricionalmente mais importantes no padrão alimentar reconhecido como saudável são eliminados (pão, cereais como a aveia, massa, arroz, batata doce, leguminosas) e há um incentivo ao aumento da ingestão de gordura e proteína sobretudo de origem animal, pela necessidade de limitar a ingestão de hidratos de carbono.

Merece por isso uma reflexão mais cuidada se é este o caminho certo para um corredor saudável.

Filipa Vicente

Referências

  1. 2014;6:2493–2508. doi: 10.3390/nu6072493

  2. Sci. Sports Exerc. 2019 doi: 10.1249/MSS.0000000000002008

  3. 2018;81:25–34. doi: 10.1016/j.metabol.2017.10.010.

  4. Nutrients2019; 11(10): 2296. doi:10.3390/nu11102296

  5. J Physiology 2017; 595(9): 2785-2807. doi:10.1113/JP273230

 

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Filipa Vicente
Filipa Vicente
Nutricionista (CP1369N) e Professora universitária (IUEM). Escreve para o Correr Por Prazer desde a sua criação em 2008. É essencialmente uma facilitadora de escolhas na busca da melhor versão de nós mesmos. Site oficial: https://nutrium.io/p/filipavicente/blog

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