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Alimentar a imunidade do corredor

Alimentar a imunidade do corredorO exercício tem benefícios inequívocos na promoção da saúde e na prevenção da doença sendo igualmente reconhecido pelos seus benefícios na imunidade. No entanto, quando praticado de forma intensa, contínua e sem momentos de recuperação pode ser ele próprio uma forma de agressão ao nosso corpo podendo ocasionar um risco acrescido de doença devido à imunossupressão transitória provocada pelo esforço físico1.

A corrida de estrada, e especialmente de fundo, não é exceção sendo que parece haver um risco acrescido especialmente de infeções do trato respiratório superior, especificamente o típico resfriado e a gripe:

  • Num estudo realizado em ultramaratonistas, o risco de sintomas de doença mostrou ser duas vezes maior quando comparado com os controlos2;

  • Uma quilometragem anual superior a 780km mostrou um risco acrescido de doença em indivíduos adultos3;

  • Nos atletas que participam nos jogos olímpicos de Verão e de Inverno, a incidência de sintomas de doença variou entre 5 e 18%4,5,6,7;

  • Dos 12954 atletas participantes no Campeonato Mundial de Atletismo entre 2009 e 2017, 546 reportaram sintomas de doença dos quais 30% apresentavam sintomas de infeção do trato respiratório8.

Excluídos os aspetos relacionados com a higiene das mãos e a possibilidade de contágio por outros indivíduos, um dos fatores de risco para esta incidência aumentada era a baixa disponibilidade energética, um síndrome conhecido na comunidade de profissionais de saúde na área do desporto por síndrome de défice relativo de energia (RED-S)1,9.

O RED-S, como é conhecido, tem características similares à outrora conhecida como “Tríade da Mulher Atleta” e hoje sabe-se que não afeta apenas as atletas mas ambos os sexos e com características específicas associadas à prática desportiva.

Durante décadas associava-se a Tríade da mulher atleta a uma baixa ingestão alimentar, podendo suceder em conjunto com doenças do comportamento alimentar como a anorexia nervosa frequente nas modalidades com maior preocupação na imagem corporal. No entanto, na prática desportiva a etiologia pode ser mais complexa do que apenas baixa ingestão. Podemos dizer que o RED-S sucede quando a ingestão energética diminui, devido a uma baixa ingestão de alimentos e bebidas, mas na prática desportiva e especialmente na corrida há que ter em conta que também pode dever-se a um aumento substancial do gasto energético em esforço que não é devidamente compensado pela ingestão.

Esta variável, a disponibilidade energética pode ser estimada pela diferença entre a ingestão energética e o gasto energético por kg de massa isenta de gordura (FFM). Ou seja:

Ingestão energética (kcal) – (Gasto energético no exercício em kcal/Kg FFM)

E pode dizer-se que o valor considerado saudável é de 45kcal/Kg FFM por dia sendo que as consequências podem ser severas se for de 30kcal/Kg FFM/dia, um limiar reconhecido para o diagnóstico do RED-S.

As consequências estendem-se muito além do dano na imunidade, com maior risco de desenvolver infeções de oportunidade, e é importante recordar que o RED-S acaba por prejudicar a própria performance desportiva.

Quais as estratégias nutricionais que podem prevenir o RED-S e reduzir a imunossupressão provocada pelo esforço físico? 

  • Esqueça as restrições energéticas excessivas mesmo que queira emagrecer. Procure um nutricionista para uma avaliação apropriada das suas necessidades energéticas e para um acompanhamento adequado;

  • O seu corpo utiliza sobretudo hidratos de carbono no esforço físico, principalmente se quer manter a intensidade, por isso não lhe tire (completamente) “a gasolina”;

  • E tenha em conta que a ingestão suficiente de hidratos de carbono especialmente nos momentos durante e pós esforço é uma das estratégias mais interessantes para diminuir a imunossupressão provocada pelo esforço físico intenso1,10;

  • Uma vez mais o essencial é invisível aos olhos, mais do que ricos em vitaminas e minerais, alguns frutos são ricos em fitonutrientes como os polifenóis 10. Pode encontrá-los em frutos como os mirtilos, as framboesas e as amoras. Pode incluir estes alimentos no seu batido pós-treino.

E vale a pena tomar algum suplemento?

Não são conclusivos e inequívocos os efeitos da suplementação ou outra intervenção nutricional na função imune de atletas11 mas há alguns estudos que dão resultados interessantes:

  • Ensaios ainda da década de 90 e inícios do século XX mostraram efeitos interessantes da glutamina na redução do risco de infeções do trato respiratório superior12;

  • A suplementação com probióticos parece igualmente ter um efeito protetor nas infeções do trato respiratório superior13 e na melhoria dos sintomas gastrointestinais14.

No entanto, embora promissores, estes resultados não constituem ainda evidência suficiente sobre a necessidade e eficácia da suplementação pelo que deve ser preservado o princípio de “food first”.

Referências bibliográficas

  1. Journal of Sport and Health Science (2019); 8:201217

  2. S Afr Med J (1983);64:582–4.

  3. Med Sci Sports Exerc (1991);23:152–7.

  1. Br J Sports Med (2017);51:277–82.

  1. Br J Sports Med (2017);51:271–6.

  2. Br J Sports Med (2013);47:407–14.

  3. Br J Sports Med (2017);51:1265–71.

  4. Br J Sports Med (2019);0:1–9

  5. Br J Sports Med. (2014);48(7):491-7

  6. Exerc Immunol Rev (2017(;23:8–50

  7. Eur J Clin Nutr(2007); 61: 443–460

  8. Eur J Appl Physiol Occup Physiol(1996); 73: 488–490

  9. Nutrients (2021); 13: 1478

  10. Int J Sport Nutr Exerc Metab. (2007);17:352-63

Filipa Vicente

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Filipa Vicente
Filipa Vicente
Nutricionista (CP1369N) e Professora universitária (IUEM). Escreve para o Correr Por Prazer desde a sua criação em 2008. É essencialmente uma facilitadora de escolhas na busca da melhor versão de nós mesmos. Site oficial: https://nutrium.io/p/filipavicente/blog

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