Depois de termos falado sobre contraturas musculares, um problema secundário, muito associado a más posturas e à repetição continuada de um mau gesto técnico, vamos agora tentar perceber as rupturas musculares, uma condição clínica em si, mais rara do que possamos imaginar, e, no atletismo, muito associada aos músculos mais “dinâmicos”, nomeadamente os da barriga da perna, adutores e quadricipites.
Uma ruptura muscular pode ser causada pelo estiramento brusco dos músculos, pela contracção repentina quando em carga ou por um episódio de sobrecarga num período relativamente curto de tempo, como correr uma maratona por exemplo.
Desportos que requerem explosões de velocidade, como certas modalidades do atletismo, aumentam o risco de lesão. Assim como a fadiga muscular, pouca flexibilidade e a falta de aquecimento prévio à prática desportiva.
Todas as rupturas musculares podem ser graduadas de 1-3, consoante a gravidade da lesão:
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O grau I corresponde a pequenas lesões (até 10% das fibras musculares envolvidas), também designadas de micro-rupturas.
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No grau II existe lesão de até 90% das fibras musculares.
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O grau III implica a ruptura de mais de 90% das fibras musculares ou uma ruptura completa. Estas últimas geralmente ocorrem junto à transição de músculo para tendão ou já no próprio tendão em si.
As rupturas musculares podem ainda ser apenas intra-musculares, ou seja, dá-se uma ruptura das fibras musculares, sem envolver a bainha muscular (fino tecido que envolve e protege cada músculo). Isso significa que o sangramento inicial pode parar mais cedo (em poucas horas) devido ao aumento da pressão dentro do músculo. O resultado é uma perda considerável da função e dor que pode levar dias ou semanas a recuperar. Não é provável a formação de um hematoma visível neste tipo de lesão, especialmente numa fase inicial.
A ruptura pode, em alternativa, ser inter-muscular, em que há uma ruptura do músculo e de parte da bainha que o rodeia. Isto significa que a hemorragia inicial vai demorar mais tempo a parar, especialmente se não colocar gelo. No entanto, a recuperação é muitas vezes mais rápida do que nas rupturas intra-musculares, pois o sangue e outros fluidos não estão confinados à bainha muscular, podendo ser reabsorvidos mais rapidamente. Um hematoma, que pode alastrar-se a toda a região próxima ao músculo afectado, dependendo da gravidade da lesão, é frequentemente observado.
Esteja alerta para os seguintes sintomas
Rupturas de Grau I:
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Uma pontada de dor fina, bem definida, localizada a meio do músculo, que surge a primeira vez durante a prática desportiva.
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Poderá ser capaz de continuar a correr com um desconforto ligeiro.
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Tensão e dor localizados nos 2-5 dias depois da lesão.
Rupturas de Grau II
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Dor aguda bem definida, localizada a meio do músculo, que surge a primeira vez durante a prática desportiva.
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Dor ao caminhar.
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Poderá formar-se inchaço no músculo.
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Hematoma leve a moderado.
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Tensão e dor localizada durante uma semana ou mais.
Rupturas de Grau III
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Dor imediata e incapacitante, localizada a meio do músculo, que surge a primeira vez durante a prática desportiva.
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Uma dor súbita, geralmente na junção musculo-tendão.
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Hematoma e inchaço significativos
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Nos casos de rupturas completas, muitas vezes pode ser visível a separação muscular sob a pele.
Uma boa avaliação, incluindo uma história clínica e exame atento da barriga da perna são geralmente suficientes para diagnosticar uma ruptura muscular. Uma ecografia ou RM podem ser pedidas para confirmar o diagnóstico e avaliar a extensão da lesão.
Tratamento
O tratamento em fisioterapia, nas primeiras 24 a 48 horas após a lesão e enquanto o diagnóstico não está confirmado, consiste e controlar os sinais inflamatórios, através de:
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Descanso: Evite caminhar ou estar muito tempo de pé. Se tiver de o fazer utilize canadianas. Andar a pé pode significar um agravamento da sua lesão.
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Gelo: Aplique uma compressa de gelo na área lesada, colocando uma toalha fina entre o gelo e a pele. Use o gelo por 20 minutos e depois espere pelo menos 40 minutos antes de aplicar gelo novamente.
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Compressão: uma meia elástica pode ser usada para controlar o inchaço.
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Elevação: A perna deve ser elevada um pouco acima do nível do seu coração para reduzir o inchaço.
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Analgésicos e anti-inflamatórios não-esteróides poderão ser receitados pelo médico para controlar o processo inflamatório e aliviar as dores.
Após esta primeira fase, e com o diagnóstico confirmado, o tratamento irá depender da gravidade da lesão:
Ruptura de grau I: A reabilitação deve estar completa ao final de cerca de 2 semanas. O tratamento deve incluir:
Fase 2: Após as 1ªs 24 a 48 horas e até às 2 semanas
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Alongamentos suaves dos músculos lesados, 2 a 3 vezes por dia.
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Massagem de drenagem e de mobilização de tecidos.
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Aplicação de ultra-sons.
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Continuar o descanso das actividades que provocaram a lesão e a utilização de meia de compressão elástica no caso de a lesão ser nos membros inferiores.
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Ao final da 1ª semana introduzir o fortalecimento muscular progressivo, incluindo exercícios em carga. À medida que for efectuando os exercícios sem dor reintroduzir a corrida.
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Ao final da 2ª semana deve voltar à actividade desportiva e continuar por algumas semanas exercícios específicos de fortalecimento e alongamento do músculo lesado.
Ruptura de grau II: A reabilitação deve estar completa ao final de cerca de 4-6 semanas. O tratamento deve incluir:
Fase 2: Após as 1ªs 24 a 48 horas e até às 2 semanas
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Continuar o descanso das actividades que provocaram a lesão e a utilização de meia elástica.
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Alongamentos suaves dos músculos da barriga da perna, 2 a 3 vezes por dia.
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Em vez de apenas gelo poderá aplicar durante 20 a 30 minutos quente e frio, alternadamente, 5 minutos cada, três vezes por dia
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Deve iniciar um programa específico de reabilitação, orientado pelo seu fisioterapeuta
Fase 3: Semanas 3, 4, 5 e 6
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Introduzir o fortalecimento muscular progressivo, incluindo exercícios em carga. À medida que for efectuando os exercícios sem dor reintroduzir corrida.
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Ao final da 4ª semana deve ser reintroduzido o gesto desportivo em ambiente clínico, iniciar a corrida.
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Na 6ª semana deve retornar à prática desportiva e continuar por algumas semanas exercícios específicos de fortalecimento e alongamento do músculo lesado.
Ruptura de grau III: A reabilitação poderá demorar mais de 3 meses em casos de ruptura completa. O tratamento deve incluir:
Se o músculo apresentar uma ruptura total o tratamento consiste na reconstrução cirúrgica. Se suspeitar de uma lesão grave deve parar imediatamente a actividade desportiva e dirigir-se ao hospital para ser avaliado. Se a ruptura for parcial será seguido o protocolo de reabilitação das rupturas de grau II, com a adaptação dos respectivos períodos de tempo.
Exercícios terapêuticos para uma ruptura parcial nos gémeos
Os seguintes exercícios são exemplos e são geralmente prescritos durante a reabilitação de uma ruptura parcial nos gémeos. Deverão ser realizados 2 a 3 vezes por dia e apenas na condição de não causarem ou aumentarem os sintomas.
Alongamento da cadeia posterior Sentado, com a perna a alongar esticada. Tente chegar com as mãos o mais abaixo possível. Mantenha essa posição por 20 segundos. Repita entre 3 a 6 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.
Flexão resistida do pé Sentado, com o elástico na ponta do pé. Puxe a ponta do pé para cima, depois deixe o pé voltar lentamente à posição inicial. Repita entre 8 a 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.
Reforço muscular dos gémeos Em pé, apoiado numa cadeira, coloque-se em pontas dos pés. Desça lentamente até todo o pé apoiar no chão. Repita este movimentos entre 8 a 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.
Antes de iniciar estes exercícios deve sempre aconselhar-se com o seu fisioterapeuta.
Referências
Counsel P, Breidahl W. Muscle injuries of the lower leg. Semin Musculoskelet Radiol. 2010 Jun;14(2):162-75.
Agre JC. Hamstring injuries. Proposed aetiological factors, prevention, and treatment. Sports Med. 1985 Jan-Feb;2(1):21-33.
Autor: João Maia
Fonte: www.fisioinforma.com
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