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Pedalar no mundo perfeito

Rui CavacoA 15 minutos de bicicleta do Praça Marquês de Pombal, no Porto, entramos numa verdadeira realidade paralela.

Podemos pedalar, correr ou percorrer a pé um vale encaixado onde, de repente, nos desligamos completamente do mundo em volta e mergulhamos na natureza, deixando lá atrás a confusão poluída do mundo automobilizado.

Dividindo-se entre os concelhos de Gondomar e do Porto, há cerca de dois anos, o vale do Rio Tinto era um mundo fechado de água poluída, resíduos urbanos expostos e maus cheiros, basicamente um espaço inóspito que, apesar de ser perto de tudo, ficava no meio de nada: era uma espécie de espaço das traseiras sobrante entre troços de auto estrada urbana, algumas ocupações agrícolas e alguns pequenos aglomerados urbanos com onde ainda se respira o ar duma aldeia.

Numa manhã nublada de Junho de 2019, o desprezo a que este espaço fantástico foi votado durante décadas terminou. Após uma cerimónia de inauguração com direito a representação ministerial, o espaço outrora rejeitado ganhou nova vida. Primeiro foi implementada uma solução de recolha e condução dos efluentes, anteriormente vazados no leito do rio, para duas estações de tratamento integradas no vale. Troços do rio – que, com o passar dos anos, haviam sido “entubados” em conduta – voltaram a correr a céu aberto. Todo o espaço foi limpo e recebeu trabalhos de paisagismo, em especial o chamado Parque Oriental – a parte do vale que corre no concelho do Porto – que foi alvo da atenção cuidada do arquiteto paisagista Sidónio Pardal (também autor do projeto do Parque da Cidade).

Ciclovia Porto

Desta intervenção resultou um percurso pedonal e ciclável claramente dividido em duas partes. Partindo do Parque Urbano da Levada e da respetiva estação de metro, na freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, circulamos primeiro num troço menos arborizado e mais baseado em passadiços ladeando o rio, uma vez que o vale é aqui bastante estreito, apertado entre logradouros da ocupação urbana vizinha.

Ao aproximarmo-nos do Pego Negro, ponto de entrada no Parque Oriental, o vale vai cada vez mais se apartando da ocupação urbana envolvente. A partir deste ponto, o percurso recebe um enquadramento sofisticado: uma combinação soberba entre o piso betuminoso muito confortável (que cobre a totalidade do percurso desde Gondomar), ladeado de “descuidadamente” cuidados muros de pedra. Esta é a fase do trajeto em que o rio corre menos apertado e em que nos sentimos mais fora do espaço urbano, profundamente mergulhados num espaço bastante arborizado e com um coberto vegetal cuidado, onde vão pontuando alguns terrenos agrícolas em pleno uso.

Como se trata de uma espécie de oásis no meio da ocupação urbana, é nesta área possível observar muitas espécies de aves que aqui encontram refúgio.

O espaço é também parcialmente usável durante a noite, uma vez que existe iluminação artificial que, todavia, ainda não cobre uma parte do trajeto no Porto.

Ciclovia Porto

Vindos de Gondomar, o nosso percurso terminará junto da rotunda do Freixo e, após percorrer 5 km e descido 65 m, longe de tudo, teremos uma espécie de “balde de água fria” ao darmos de caras com uma das interseções de tráfego automóvel mais carregadas do Grande Porto. Sim, o mundo não é perfeito.

(Acessos em transporte público: Linha F Metro do Porto, estação “Levada”; STCP Linha 400, paragem “Parque Oriental”).

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Rui Cavaco
Rui Cavaco
Com formação de urbanista, profissionalmente ligado às tecnologias de informação geográfica, é um entusiasta do uso frequente da bicicleta e do transporte coletivo e um assumido entusiasta pelos caminhos de ferro.

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