Estou sentado em frente ao ecrã do computador e sinto-me uma espécie de Rui Pinto da corrida. Sei a verdade, estou prestes a contá-la ao mundo, mas ainda me falta escolher o país da Europa de Leste onde me vou refugiar, quando esta gente toda vier atrás de mim para me bater.
Ora, a verdade de que vos falo é, afinal, uma mentira. A mentira que gentilmente vos vendemos com o fluir dos anos e que vos implantou a ideia de que correr vai fazer maravilhas ao corpo feminino. Lamento ser eu a dizer-vos, mas não vai, não senhora! Quando muito, o bem que a corrida vos faz, não chega nem para pagar metade das despesas do mal que vos vai trazer.
Sim, é certo que vão perder peso às pazadas. Dez quilitos vão à vida num instante, mas com eles vão também as unhas dos pés. Logo à terceira ou quarta corrida digna desse nome, as gloriosas extremidades coloridas que adornam os vossos delicados e enfeitiçantes pezinhos começam a saltar que nem pipocas.
Partem-se à média de uma por quinzena, a começar logo pela estrela da companhia: a unha do dedão. O que equivale a dizer adeus àquelas sandálias giras que levaram meses a namoriscar na montra até finalmente ficarem em saldo.
E quem diz sandálias diz qualquer outro tipo de calçado com salto alto. É que as lesões são como os impostos: inevitáveis e umas atrás das outras. Tendinites, fasceíte plantar, esporão do calcâneo, joanetes, todas elas altamente incapacitantes para o uso desse calçado elegante e pontiagudo que vos oferece de mão beijada centímetros a mais, um porte majestoso, um andar decidido e aquela ilusão vulnerabilidade ‒ “ai, que eu posso cair e preciso de amparo!” ‒ com que gostam de fintar a matilha de alfas.
Mas atenção que estas maleitas ainda dão para disfarçar com ais e uis, que nós, no lado masculino da mundo, sabemos bem a cabazada que vocês nos dão em matéria de resistência à dor: ele é parto, bolhas nos calcanhares, almoço de domingo em casa das sogras, por aí fora.
O pior é quando as lesões vêm por aí acima e acertam em cheio nos joelhos e ancas. Aí, meninas, o coxear é indisfarçável e com ele chegam todo o tipo de comentários vulgares e maldosos, do género “ai, fulano fez-lhe isto assim assim e agora ela tem um andar novo”. Eu não, que sou um lorde inglês. Mas os outros… cala-te boca!
E se isto não chega para vos afugentar de vez das correrias, então tenho uma combinação de palavras mágicas: rugas de expressão. Vejam bem, o único sítio onde as senhoras correm com um sorriso nos lábios é na publicidade à Evax ou a iogurtes com bifidus ativos. Na vida real, o esforço está escrito a letra maiúscula na cara de quem se faz à estrada e desafia os quilómetros. Junte-se a isso o sol impiedoso que não nos larga na época alta das corridas e fica-se com uma pequena ideia do lindo estado em que vão acabar os vossos, até aí, imaculados e cintilantes sorrisos. Podem sempre rezar uma Avène-Maria, mas nem a indústria da cosmética vos vale nessa hora de aflição.
E agora vem a pergunta do milhão de euros: como é que tudo isto passou despercebido por baixo dos vossos belos e bem maquilhados narizes? Graças à Conspiração, esse plano maléfico urdido no submundo da comunidade corredora, numa desesperada tentativa de atrair Marlenes, Vanessas, Sabrinas e Déboras a um mundo sobrepovoado de Simões, Barbosas, Peixotos, Hugos ‒ todos os grupos de corrida têm um, é de lei.
Mas quem os pode culpar, afinal? Domingo após domingo a pisar o negrume do alcatrão rodeados daquela massa indistinta de barrigudos, peludos, suarentos e barbudos do costume. Semanas a fio sem sequer o vestígio de rabos de cavalo a baloiçar alegremente de um lado para o outro, da brisa de suor perfumado que elas soltam à sua passagem, da delicadeza das pisadelas, do colorido das roupas e ‒ carne fraca, admito ‒ mais uma ou outra coisita a ondular quase imperceptivelmente dentro das leggings estreitinhas.
A vida pode ser um lugar profundamente sisudo quando escasseiam as janelas com vista para o lado agradável do mundo. É por isso que apelo a uma amnistia. Até porque, bem vistas as coisas, não foi a primeira ‒ e está longe de ser a última ‒ vez que um homem vos mentiu descaradamente.
E agora, se me dão licença, tenho um voo para apanhar. Se eu não vos fizer chegar sinais vitais nos tempos mais próximos, a password para os discos encriptados é…
* Declaração de interesses: Paulo Jorge Dias é um fervoroso seguidor das teorias de Psicologia Invertida.
Mesmo para um “analista” expert em humor (só pelo cv do autor) trata-se de uma análise com pouca piada e somente algum nexo. Malefícios existem sempre, como em tudo o que se faça na vida. Benefícios também trás, embora não sejam referidos… o que é pena… num site de corrida publicar estas “piadas” é de mau tom e sem qualquer nexo. Claro que entendo que o autor é menino da cidade, fala do calçadão, das leggins, do equipamento giro e dos estratagemas de engate típicos dos grupos de corrida que alegremente refere (ao qual deve pertencer a um ou mesmo vários).
No entanto fica mal generalizar, ainda para mais sem argumentos fidedignos e mesmo que quisesse ter, sem qualquer motivo para esboçar o mínimo sorriso, nem com esforço como os Evax ou Avènes (Maria ou não). Mas não se preocupe o autor, pois pode apanhar o avião que quiser, que a comunidade corredora não o perseguirá, pois tem km por fazer, seja no calçadão ou nos trilhos… confirme só é se o voo não foi cancelado e terá de ficar em terra e assim continuar a fazer o seu “jogging” de “ténis” calçados e observar as psicologias (invertidas ou não) dos “runners” que tão ridiculamente fala.
Cumprimentos (à distância recomendada por lei, como é evidente)
Acho uma afronta às mulheres! Não somos um bando de tontinhas que andam para aí de saltos altos. Eu não corro não é por medo de me aleijar mas simplesmente porque não quero e não há homem nenhum que me convença do contrário.
Este texto só prova que a discriminação chega a todo o lado, até aos grupos de corrida. Aposto que se fosse uma mulher de pelos nas pernas, buço e cabelo mal penteado nem lhes ligavam.
Uma vergonha.