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O Ingénuo do Trail

Costumo “escrever” as minhas crónicas de corrida na cabeça, ao longo das provas, enquanto corro. Registo mentalmente sentimentos, impressões, emoções e depois, em casa, verto para um documento do Google Drive para edição, revisão e publicação.

Contudo, a última prova danificou grande parte do meu “disco rígido” cerebral. Tentei recuperar o “ficheiro”, mas encontrei apenas o título e algumas frases dispersas, intercaladas por espaços em branco, mensagens de erro e bastantes palavrões. Muitos mesmo. Por isso, esta crónica surge alguns dias depois do empeno e pode soar a algo meio desconexo. É o que é. Ainda me doem as pernas e cheira a terra no meu carro.

Praticante de Trail há 10 anos, contando até com algumas ultras no “tacógrafo”, continuo o mesmo ingénuo que experimentou correr no monte, ali para os lados de Valongo, algures em 2012, 2013.

Continuo a ser ingénuo ao ponto de acreditar que uma prova desenhada pelo Moutinho vai ser fácil, que posso ir na boa sem cortar as unhas dos pés e que os fotógrafos vão partilhar as fotos de forma célere, cronológica e organizada.

Continuo a acreditar que chego a casa a horas decentes para almoçar e que vou cumprir a estimativa de tempo para concluir a prova, “mais coisa menos coisa”.

Depois, sentado ao volante de toda essa ingenuidade, dou cabo da caixa de velocidades no constante sobe e desce de mais uma “Moutinhada”, falo sozinho, canto as músicas que vão passando nos auriculares, digo muitos palavrões e chego tarde a casa.

“Oliveira de Azeméis? Aquilo nem tem desnível! É num instante.”

E foi num instante que percebi que ia passar grande parte do Trail Aldeia d’UL a subir de gatas e a descer de rabo no chão.

No fim de cada subida íngreme, havia uma descida abrupta; cada secção plana era subitamente interrompida por mais uma parede. E sempre assim até à meta, a qual começávamos a avistar uns 2 km antes de a atingirmos. “Parece gozo”.

O local é idílico, bucólico e agradável. Os trilhos, apesar de tudo, são aquilo que o Trail deve ser, num trajecto tão variado que nos traz um pout-porri do Paleozóico, da Freita e dos Abutres. Está lá tudo para saborear em pequenas doses e grandes dores musculares.

Nunca me tinha acontecido, mas a certa altura só conseguia mexer as pernas arrastando-as.

O Trail é assim. Tantos anos depois, tantas provas depois, tantos quilómetros depois, continuo a ser ingénuo e acreditar que “não vai ser nada de mais”.

Mas o José Moutinho e a sua Confraria Trotamontes estão cá para nos lembrar que há sempre algo mais.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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