Bzzzzzz… O relógio vibra mais uma vez, como tantas vezes naquela manhã. “31km” e os meus olhos rebentam em lágrimas.
Falta um kilómetro. Um kilómetro vivido entre o choro e o riso.
Naquele momento, naqueles derradeiros mil metros, esteve ali tudo.
Os últimos dois anos, praticamente sem provas e com treinos limitados.
Os últimos dois meses de trabalho exaustivo, no limiar do burnout.
As noites mal dormidas.
O acordar cedo e o deitar tarde.
O mau humor para a “cara metade”.
O passar uma semana sem poder ver o meu filho mais velho e sem poder acompanhar o mais novo à escola.
A desistência na Maratona do Porto.
As longas subidas e as descidas desenfreadas do Gerês.
O correr sem parar, mesmo quando tudo doía.
A dor que esquecia a cada nova passada.
O desafio da noite anterior “quanto tempo demoras?” “Quatro horas… vamos arriscar quatro horas…”
O ver a meta, o ouvir a meta, o sentir a meta.
Bzzzzz…
Três horas… três horas e quarenta e tal.
“Vou chegar primeiro, vou chegar antes do tempo.”
Desta vez, ao contrário de todas as outras, fui eu quem esperou. Sentei-me nos degraus de uma capelinha, como se me sentasse directamente no Céu.
O Eduardo veio a seguir, a correr abraçar-me. Vinha com um novo Homem Aranha nas mãos, mas ali o herói era de carne e osso.
Atrás dele a Teresa, “o senhor do táxi era simpático, mas conduzia devagar.”
A nós, corredores de pelotão, perguntam-nos muitas vezes em que lugar ficamos. Perguntam-nos muitas vezes porque corremos.
Perguntamo-nos muitas porque corremos.
Corremos para isto. Para sentirmos que somos mais do que aquilo que o espelho nos mostra; que podemos ir mil vezes ao chão para levantarmo-nos sempre mais uma.
Somos gordos, treinamos pouco e mal. Mas lá vamos, vaidosos e orgulhosos, porque, podemos ser “heróis por apenas um dia”.
Porque há também quem corra, connosco, do lado de fora, no táxi, agarrado ao telemóvel, em casa… sempre de sorriso e braços abertos à nossa espera.
Os mais rápidos poderão rir e desdenhar estas palavras. Mas a nós, aqueles que fogem do último, as nossas pequenas vitórias, ninguém as tira.
“Oh, estavas a chorar…”
E que bem que me souberam aquelas lágrimas.