A microbiota tem sido um tema muito falado nos últimos 2-3 anos na comunidade científica. Já dizia Antoine Saint-Exupery que o “essencial é invisível aos olhos” e esta é mais uma prova disso mesmo.
Olhamos frequentemente para a nossa saúde “física” (sinais e sintomas de saúde/doença) e “bioquímica” (análises clínicas) mas ignoramos com alguma frequência a composição de quem habita no nosso corpo.
Sabia que temos mais bactérias do que células humanas no nosso corpo? E o intestino é um dos locais onde encontramos floras diversas, num equilíbrio delicado entre patogénicos e microrganismos benéficos, ou mesmo funções essenciais no organismo.
A microbiota de um indivíduo começa a formar-se logo no momento do nascimento e diferencia-se ao longo do ciclo de vida sendo influenciada por fatores intrínsecos (ex:. genética) ao indivíduo mas também extrínsecos onde incluímos o estilo de vida, ou seja, a alimentação, a prática de exercício, os hábitos tabágicos e ingestão de bebidas alcoólicas, a toma de medicamentos (ex:. antibióticos) e até o local onde vivem1.
Funções da microbiota
Permita-nos atalhar e resumir as funções da microbiota a 4 grandes áreas que influenciam de forma determinante a saúde humana2:
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Reforçar a integridade da barreira intestinal
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Metabolismo energético e de nutrientes
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Proteção contra patogénicos (ex:. outras bactérias que possam causar por exemplo gastroenterites)
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Função imunomoduladora
E por isso mesmo, as alterações na microbiota começam a ser sugeridas como um fator de risco para doenças crónicas não transmissíveis como o cancro3, a diabetes4 e a doença cardiovascular5. E um grupo português mostrou mesmo maior severidade do COVID19 em indivíduos com alterações da microbiota6. Não obstante, indivíduos com doenças crónicas não transmissíveis como a obesidade parecem ter alterações significativas da sua flora intestinal que podem predispor para um aumento do risco de outras alterações7.
Então mas porque é que isto não é mais falado?
Há algumas limitações que devemos discutir neste assunto e que são determinantes para que possam ser definidas recomendações para a prática clínica baseada na evidência. A verdade é que não há novidade nenhuma na influência da alimentação na microbiota e até se sabe o padrão alimentar mais recomendável para uma “bicharada saudável”8 assim como se sabem os efeitos prejudiciais do sedentarismo9. Por isso, não lhe vamos contar o segredo dos segredos.
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Não existe uma “composição ideal” e universalmente considerada saudável, cada indivíduo desenvolve a sua correta e adequada proporção de microrganismos10.
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Parece haver alguma controvérsia no tempo necessário para que as intervenções possam surtir efeito na alteração significativa do microbioma, sobretudo quando há desvio do estado nutricional (ex:. obesidade)11
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Uma simples alteração do seu ritmo circadiano pode alterar o microbioma12
Mas o que tem isto a ver com a corrida?
Este é só mais um argumento para seguir as nossas recomendações e se necessário procurar um nutricionista para se assegurar que está a fazer as escolhas certas para o seu corpo. Trata-se de uma verdadeira “pescadinha de rabo na boca”:
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O exercício físico prolongado, como acontece na corrida de meio fundo e fundo (e no triatlo) parece alterar a microbiota do indivíduo
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Esta microbiota, quando saudável e funcional, é essencial para assegurar a adaptação ao esforço no que diz que respeito à função imunitária, anti-inflamatória e metabólica.
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Estas bactérias são importantes por exemplo para fermentar os hidratos de carbono que chegam ao intestino e fornecer energia ao músculo, ao fígado e ao sistema nervoso.
Por isso mesmo, não vacile e esqueça “dietas” extremas que implicam restrição de grupos alimentares tão importantes como os cereais e as leguminosas e a ingestão elevada de proteína, ou mesmo de gordura. Este é o padrão alimentar com efeito mais nocivo na flora intestinal13.
Duas notas muito importantes:
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falamos neste artigo de microbiota e de microbioma, na verdade ambos são importantes. O microbiota refere-se à flora de microrganismos e o microbioma a todo o envolvente incluindo os mesmos. Quando queremos modular a microbiota devemos pensar igualmente em modular o microbioma. Mas podemos esclarecer estes termos num artigo futuro se houver interesse;
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este tema tem gerado muita polémica uma vez que quando se fala de microbiota surge frequentemente um argumento de necessidade de toma de probióticos (em suplemento). Não é o que pretendemos, recomendamos isso sim a adopção dos princípios e fundamentos base de escolhas alimentares saudáveis e um estilo de vida ativo, sem exageros nem extremismos. Mas sobretudo sem complicações.
Referências
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World J Cardiol.2020 Apr 26; 12(4): 110–122
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Front Microbiol 2021; 12: 705020
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Gut. 2019 Jan; 68(1): 70–82.
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Gut.2020 Jul; 69(7): 1167–1168
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Oxid Med Cell Longev.2017; 2017: 3831972.
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Gastroenterology 2021; 160(2): 483-494
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Front Microbiol.2018; 9: 737
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Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2015 Sep; 18(5): 515–520.