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O primeiro Ultraman Português

O primeiro Ultraman PortuguêsNo passado dia 3 de Setembro perto das 19h, António Nascimento de Oliveira Filho tornou-se o primeiro cidadão português a completar um Ultraman. Depois de 10km a nadar, 420km a pedalar e 84km a correr, cumpriu-se um sonho e realizou-se um objectivo de um ano de treino exclusivamente dedicado a este desafio. Contamos-lhe tudo!

 

 

O local do evento

Não poderíamos deixar de fazer um comentário à beleza das paisagens da zona Nordeste do País de Gales. Os atletas e os membros da equipa de apoio sentiram-se verdadeiramente beneficiados por um cenário natural único.

Em Betws-y-Coed, uma pequena vila do condado de Conwy, pouco se sabia do evento que se ia realizar. Se não víssemos as bandeiras no hotel da organização, poderíamos pensar que estávamos no sitio errado. Mas a verdade é que esta prova, embora gigante e megalómana a nível de esforço humano, é na verdade dotada de uma organização discreta e sem o aspecto comercial de muitas outras.

Por isso, não espere ver milhares de cartazes de publicidade, centenas de voluntários da prova, abastecimentos, carros de apoio, etc. Esta prova, à semelhança de todas as outras do campeonato Ultraman, é organizada por uma equipa com poucas dezenas de pessoas e o atleta depende inteiramente da sua equipa de apoio para apoio logístico, nutricional, mecânico e na orientação do percurso da prova.

 

O espírito Ultraman

Quando demos as mãos numa grande roda no primeiro dia, em pleno relvado do Lago Bala, todos os atletas, membros das equipas de apoio e da organização se sentiram especiais por estar ali. Além do compromisso de ajudar o nosso atleta selámos um acordo de desportivismo, humildade e honra que nenhum seria capaz de quebrar mesmo para sair à frente.

Esse é o espírito Ultraman e ficou bem vincado nas palavras do vencedor, Iñaki de La Parra, passando a citar “sozinhos não somos nada, precisamos da nossa equipa de apoio, da organização, dos outros atletas e das outras equipas para continuar na estrada e a ter um motivo para seguir na prova.”

 

Primeira etapa: 10km de Natação + 144.8km de Bike

A equipa acordou perto das 4 da manhã e ainda não eram 6 quando chegámos ao lago Bala, o palco da primeira etapa. Por todo o lado se viam já as tendas da organização, de resto muito animada e sempre disposta a cumprimentar todos com um sorriso e palavras de incentivo. O António vestiu-se e concentrou-se, fez o check-in para a primeira etapa e colocou-se lado a lado com outros super atletas, todos ansiosos mas muito concentrados. O “tiro” de partida deu-se às 7 em ponto com uma vuvuzela, da equipa sul-africana, a celebrar também o momento.

Em terra, íamos sabendo notícias através do speaker Steve King, o António fez o retorno em 8º, a prova era na altura liderada pela japonesa Yasuko que no entanto perdeu posições porque fez uma transição, podemos dizer, com muita tranquilidade.

No lago, as coisas correram dentro do previsto, o António fez a prova sempre no seu ritmo próprio, com o apoio técnico do Robson que ia no Kayak de apoio, a corrente contra atrapalhou a ida mas depois na volta tornou-se bastante mais fácil. O António nadou forte mas mesmo assim ainda ia trocando sorrisos e ideias com o treinador no Kayak. Entretanto, as bandeiras portuguesas começaram a aparecer com a chegada das famílias Portela Morais e Neiva que foram a Gales apoiar o António e animaram ainda mais o ambiente.

Saiu da água em 8º, fez uma boa transição, comendo um pouco, trocando de roupa e preparando tudo para os 144.8km de bike. Uma saída relativamente fácil mas pela transição e por ser o primeiro dia, não podíamos pensar que ia ser um passeio no parque.

A mudança da posição horizontal para vertical é uma das principais preocupações, além de que a água estava fria e o atleta precisa de aquecer para começar a pedalar no seu estilo e ritmo. Nos primeiros quilómetros notamos claramente o desconforto mas depois também notamos quando “entrou” na zona e está focado.

Mesmo assim, a 1ª etapa decorreu tranquilamente, serviu também para afinar a equipa de apoio na logística de orientar o percurso e dar o apoio necessário sem o fazer parar.

O António terminou o dia na 6ª posição com 4:09:44 na natação e 6:06:32 na bike.

 

2º dia: 275km de Bike

Estávamos certos que a garra e a determinação do António poderia superar qualquer obstáculo mas ele nunca nos deixa de surpreender. Este dia era bem mais fácil que o 1º, não havia transição e a distância era relativamente perto do que tinha feito em treinos.

No dia anterior já tínhamos visto as subidas que tínhamos naquela prova, os 275km de bike não prometiam menos, apenas um esforço mais longo. As bikes partiram duas a duas, de acordo com a posição, o que fez com que o grupo se mantivesse compacto durante os primeiros quilómetros. A chuva miudinha e o frio da montanha irritavam um pouco mas não parecia haver queixas.

Depois começou a dividir-se, o António sobe muito bem porque é um atleta de força e isso fez com que se posicionasse bem no primeiro terço da prova, perto dos espanhóis e da japonesa. Só que no terreno plano, as bicicletas de contra-relógio ganham… acabou por se separar um pouco e ficar apenas com os italianos atrás.

Agora era manter o bom ritmo e tentar recuperar terreno sempre que possível. De repente o pedal partiu-se, imediatamente foi substituído pelo Ricardo mas o sapato não encaixava no clip novo. Amarrámos o pé com fita por segurança, porque havia subidas pela frente, mas naturalmente que não durou muito, o António tinha o pé dormente. Por sorte, encontrámos a equipa de apoio mecânico da prova que encontrou um pedal em que o sapato encaixava, com a substituição infelizmente os italianos passaram levando a algum desespero de toda a equipa.

Juntos e a pedalar várias vezes na roda, uma manobra proibida neste triatlo, os italianos podiam ter pensado que tinham ganho a posição.

O António voltou à bicicleta, devidamente posto nos pedais, e tivemos novo susto. Foi atingido, ainda que de raspão por um atrelado, ele depois disse que nós estávamos mais nervosos que ele e era verdade. Perdemos as estribeiras e ainda fomos tentar apanhar o sujeito que nem abrandou… só que tanto contratempo teve precisamente o efeito de estimular o António para um segundo e terceiro terço de prova brutal. Revoltado pelo pedal partido e pela mini batota dos italianos, o António acelerou e deixou-os literalmente pregados ao chão. Passados uns bons quilómetros, eles ainda falavam dele como quem pergunta “onde é que ele foi”.

Terminou o segundo dia em 7º com 6:06:32, perdeu um lugar para Toni Marsal Bonet que se tinha perdido no 1º dia por erros do navegador mas que fez uma segunda etapa muito boa e recuperou a posição na tabela.

Esta etapa marcou a desistência da atleta Carla Guerra que polemicamente foi retirada da bicicleta pelo próprio membro da equipa de apoio, não lhe tendo sido permitir sequer pedalar as 12h que era o tempo limite da prova. Ainda assim, a Carla informou a organização que estaria no terceiro dia para completar a dupla maratona.

 

3º e último dia: 84km de Corrida

Começámos o terceiro dia com a mesma roda inicial, a celebrar a chegada ao fim deste desafio e a desejar que os nossos atletas desfrutassem deste momento.

Os atletas partiram todos juntos e o António manteve-se no grupo da frente, quando demos por nós estávamos no fim da primeira maratona com 4h que poderia parecer fácil não fosse uma subida gigantesca por perto de 4-6km logo no início da prova. Verdade seja dita, todos nós fazemos rampas em subidas generosas, pois todos os membros da equipa disseram que nunca tinham visto nada assim…

Começava realmente agora o ultraman, a segunda maratona revela o carácter de todos. Iñaki de La Parra ia junto do noruegês Jan Svendsen, na frente e completamente isolado seguia o sul africano Rowan Boettger. O mexicano apenas tinha de manter aquela distância para não ser ultrapassado no final e até lá preferiu acompanhar Jan, quando chegou a hora despediram-se amigavelmente e o Iñaki seguiu o seu caminho.

O António fez uma super primeira maratona, estavam todos incrédulos com ele, mas sabíamos que podia acontecer muita coisa depois disso. Dois dias de prova e algumas microlesões que o tinham afectado no último mês…a factura podia chegar a qualquer momento. Bom, quem já correu uma maratona sabe o que é um muro, quem não correu já ouviu falar dele. Imaginem o muro depois da maratona… o António andou perto de 10km apenas ensaiando a corrida por breves instantes.

Qualquer comum mortal desistiria assim… com o receio de correr e lesionar-se a pontos de nem poder andar, o mais fácil é mesmo entrar no carro. O António em momento algum baixou os braços por isso mantivemos a nutrição e hidratação estivesse a andar ou a correr.

Nova subida no percurso e depois dessa subida soubemos que o italiano estava perto, não foi preciso dizer muito mais, a raiva e a garra assolaram o António e começou “a encaixar” a corrida. Os últimos 5km da prova parecem eternos, é tão perto e parece tão longe…mas com a meta já à vista, a emoção tomou conta de todos. Terminou abaixo das 10h, 9:57:09.

O António pegou numa bandeira e cruzou a meta elevando bem alto o orgulho, a glória e a honra muito representadas na bandeira das quinas pela sua prestação em todo o ultraman.

 

Um breve epílogo

Esta prova não é para heróis, é para atletas humildes, trabalhadores e disciplinados como provavelmente poderemos pensar que nunca chegamos a ser. Um plano de treino para um desafio destes implica sacríficos pessoais, profissionais e físicos como o de nenhum outro triatlo. E por vezes alguns poderiam pensar que chegam lá e podem “dar um jeito”, esta prova não tem jeito! Ou se está ou não se está preparado. O momento em que o atleta cede não é só a dor muscular ou o cansaço a falarem, é a eterna questão “sou ou não sou capaz”. E aqui, como em muitas outras provas, “o todo é muito maior que a soma das partes”.

 

Agradecimentos

A equipa Ultraman PT agradece em especial:

  • À BAR que acreditou no projecto desde o início e que nos deu o suporte financeiro sem o qual nada disto teria sido possível
  • À ROTAPRO que disponibilizou material da mais elevada qualidade para que o António pudesse estar bem equipado tanto nos treinos como em prova
  • A todos os órgãos de comunicação social que durante a preparação permitiram levar o projecto Ultraman ao público, em especial à Sport Life pela cobertura próxima que teve de toda a preparação
  • Às famílias Neiva e Portela Morais que se deslocaram a Gales para apoiar o António e toda a equipa
  • A todos os membros da equipa de corrida da Hand2Hand e a outros que enviaram várias mensagens de apoio ao António e equipa ao longo da preparação e do evento.

Terminado o Ultraman UK com a qualificação garantida para os Campeonatos do Mundo no Hawaii, é tempo de recuperar antes de pensar no próximo desafio. Pegando no slogan “Onde está o limite” (Where is the limit?), estampado na camisola de Toni Marsal Bonet (5º lugar), sabemos que: ali, não estava!

 

Foto: Mr Rick Kent, Ultraman United Kingdom 2012

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Filipa Vicente
Filipa Vicente
Nutricionista (CP1369N) e Professora universitária (IUEM). Escreve para o Correr Por Prazer desde a sua criação em 2008. É essencialmente uma facilitadora de escolhas na busca da melhor versão de nós mesmos. Site oficial: https://nutrium.io/p/filipavicente/blog

6 COMENTÁRIOS

  1. Perante estes numeros fantásticos,sem palavras para adjectivar tamanha façanha, somente consigo dizer, ANTÓNIO, FIQUEI FELIZ POR TER CONSEGUIDO TERMINAR A PROVA!

    Bem haja

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