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Cinco portugueses à conquista do deserto

A Marathon des Sables (MDS) é uma das provas mais duras e mais exigentes a nível planetário.  A 27ª edição da prova irá decorrer de 6 a 16 de abril no deserto do Sahara (Marrocos) e contará desta vez com a presença de 5 portugueses. Falamos com 3 deles, o repetente Carlos Sá e os estreantes Telmo Veloso e Susana Simões.

Para participar numa prova desta natureza é necessário, para além de muito treino e de muita coragem, 3500€ para a inscrição. Este último será uma das principais razões pela qual não temos mais portugueses a participar, porque lá corajosos temos nós… O Telmo e a Susana venceram a Isostar Desert Marathon, tendo como prémio as inscrições na MDS, já o Carlos Sá tem o precioso apoio da Sportzone que lhe permitirá participar pela segunda vez consecutiva (8º. classificado em 2011).

A MDS realiza-se em 6 dias, num total de 251 kms em que os participantes têm que transportar tudo o que precisam, desde comida, roupa, fogão, para além de material obrigatório imposto pela organização (sinais luminosos, etc.). A organização cede apenas água e tenda.

São estes os portugueses que participarão nesta prova:

18 BLECK GUEDES DE SOUZA Miguel H 41 POR
174 MORGADO Jose H 58 POR
869 VELOSO Telmo H 36 POR
870 DE OLIVEIRA SIMOES Susana F 39 POR
890 GOMES DE SA Carlos Alberto H 38 POR

A poucos dias da partida, fomos saber como o Telmo, a Susana e o Carlos estão a preparar esta prova, ficando desde já a promessa de nos contarem como tudo decorreu após o regresso.

 

O que vos leva a participar numa prova de tão extrema dureza?

O desafio! Nós adoramos desafios que nos obriguem a testar o limite das nossas capacidades físicas e especialmente mentais. Encaramos a MDS como uma aventura e sabemos que para chegarmos à meta vamos ter de sofrer, mas é nisso que reside o interesse e que a distingue. Já estivemos para participar em 2010 mas uma lesão (fratura de stress no calcâneo) da Susana impediu-nos de o fazer.

Têm a noção dos perigos e dificuldades que irão enfrentar?

Temos a noção que se trata de uma prova de elevada dificuldade e que, por esse motivo, acarreta inúmeros perigos. O Carlos Sá, que já a fez no ano passado, alertou-nos para muitos desses perigos e dificuldades, mas numa prova de 7 dias no deserto com 250kms tudo pode acontecer e esperamos estar preparados. O facto de participarmos os dois pode ser uma mais valia, porque um dos problemas é, nos momentos de dificuldade, a solidão e o afastamento da família.

Não tomar banho durante 7 dias ou estar ao alcance de escorpiões, cobras e sede extrema não vos tira o sono?

O que mais nos poderá tirar o sono são os “animais” exóticos que existem no deserto (o Telmo tem fobia a aranhas, cobras e centopeias), mas o cansaço acumulado deverá ajudar a adormecer. A ausência do banho é mais complicado para as mulheres mas há formas de o colmatar. A sede não será um problema (esperamos) porque a organização disponibiliza a água, mas o pior, pensamos nós, será a fome. Só de imaginarmos a larica que temos no final de uma maratona, no deserto vamo-nos ter de contentar com barras e comida desidratada em pequena quantidade.

Susana, como reagem os teus alunos ao saberem que te vais meter numa aventura desta envergadura?

Nem eles nem a maioria dos meus colegas fazem a menor ideia do que faço fora da escola. Eu tento na escola não fazer muito alarido da minha vida desportiva porque não gosto de misturar as águas. Mesmo que venham a saber, talvez não tenham a noção da dificuldade e do esforço que a prova exige.

Pensam fazer a prova juntos?

Não. Apesar de já termos feito várias provas em conjunto, desta vez decidimos começar em separado. Fizemos essa opção porque é uma prova que talvez não possamos repetir e queremos conhecer os nossos próprios limites. A meio, com o decorrer das etapas, se por algum motivo tivermos de avançar em conjunto nem hesitaremos porque o nosso principal objetivo é chegarmos à meta.

O que mudaram nos vossos treinos com vista a esta prova?

Os nossos treinos têm-se baseado, obviamente, na corrida. A natação e a bicicleta têm servido praticamente só para descomprimir e aliviar as articulações. A grande diferença tem sido a quilometragem. Passamos de médias semanais na ordem dos 80 kms para +/- 140 kms. Também temos corrido na praia e com a mochila às costas.

Acham que o valor monetário a pagar pela inscrição é o principal obstáculo à não participação de outros portugueses?

O elevado preço da inscrição (3.500€) associado à crise atual é o principal obstáculo para participação dos portugueses e mesmo ao nível dos espanhóis a participação diminuiu nos últimos 2 anos. Pelo contrário, nos países nórdicos a procura de vagas para participar na MDS é muito elevada, neste momento as listas de pré-inscritos para 2013 já se encontram quase esgotadas.

Os vossos colegas de trabalho olham para vocês como heróis, corajosos ou malucos?

Telmo: A maioria dos meus colegas sabem que eu corro mas não imaginam que tipo de provas. Quando ganhamos a IDM muitos colegas souberam e felicitaram-me com admiração porque nem imaginavam que existissem provas de mais de 100kms a correr. Já ouvi várias vezes o adjetivo de “maluco”.

Susana: Os poucos colegas que sabem ficam admirados, mesmo não tendo a noção do esforço e dedicação que este tipo de provas exige.

 

Esta é uma prova mais física ou psicológica?

Depende ao nível competitivo que se corre, tal como todas as ultra maratonas a parte psicológica é a mais importante mas para termos bons resultados na MDS temos que ter um ritmo competitivo enorme tal é a qualidade dos atletas que lutam pelo top 10.

Qual o pior? O calor ou o cansaço?

Claramente o acumular do cansaço daí a importância de uma boa gestão de todas as etapas, o calor é também um grande obstáculo mas pior que o calor é a variação de temperatura uma vez que de noite pode chegar a negativos e de dia aos 50 positivos, mas vamo-nos adaptando á medida que os dias vão passando.

Quais os principais perigos desta prova?

Há um estudo da organização que diz que 25% das desistências são por picadas dos repteis e insetos mas uma super organização como esta tem praticamente tudo sobre controlo. Outro aspeto que nos pode surpreender são as tempestades de areia, perdemos a visibilidade e o risco de nos perdermos aumenta, outro perigo pode ter a ver com a desidratação ou mesmo quebra física. Não nos poderemos esquecer que os atletas estão numa situação de limite físico e psicológico que se agrava a cada dia.

Já a tendo concretizado no ano passado com enorme êxito, o que te motivou a repetir esta prova?

Tenho feito algumas provas brutais e sempre com grandes resultados mas esta tem um carisma especial, estar 10 dias isolado do Mundo a testar os nossos limites são autênticos momentos de meditação interior, esta prova é um enorme desafio começando logo pela inscrição que é muito cara (3500€), volto com o pensamento de poder estar novamente entre os melhores do Mundo e se possível melhorar a minha classificação, baixar das 24h era excelente, manter o top 3 extra africano era memorável uma vez que este ano terei novamente todo top 10 do ano passado mais o melhor Americano que fez 3º da geral há dois anos atrás.
Este ano com o apoio da Berg e Sportzone tudo ficou mais fácil, sem a ajuda deles seria impossível repetir este sonho, voltarei sempre que possível.  Para terem uma referência no que respeita a repetentes, o Marco Olmo já vai na sua 17ª participação. Isto é um sinal que esta prova é mesmo especial.

Que logística tinham os que ficaram á tua frente que os poderá ter beneficiado?

Este ano vou tentar levar equipamento mais leve, retirar 2kg é o grande objetivo,  cada grama a mais pode dar 1kg a mais de peso que se tem que transportar desde o primeiro dia o que dá certamente um desgaste considerável, para tal a Berg está a criar uma linha de produtos para atender às minhas necessidades, na 5ª etapa (42km) acabei em 5º da geral tendo sido o 1º não Africano. O Marroquino que estava no controlo comigo pesou a mochila e tinha apenas 2,5kg eu ainda levava 4,5kg. É um esforço muito grande e acrescido.

Treinas-te da mesma forma que no ano passado ou alteras-te algo?

Infelizmente no início deste mês contraí uma lesão nos metatársicos de um pé que me obrigou a treinar durante 3 semanas apenas em ginásio, a faltar 12 dias vamos entrar na semana decisiva e já estou a correr embora com bastante dor. Estou preparado psicologicamente para sofrer um pouco mais.

Alteras o tipo de treinos que fazes durante os outros dias do ano para esta prova?

Não. A base é a mesma.

Depois da experiência obtida no ano passado, que medidas tomarás para obter uma ainda melhor participação?

Será muito complicado mas lutarei por esse objetivo, uma prova como esta não poderemos ter qualquer previsão do que se irá passar, avaliar dia a dia o nosso desgaste e desempenho assim como o dos nossos colegas e ir ajustando na medida do possível. O sucesso na MDS é a capacidade de gestão de prova, são sete longos dias a correr no limite, a comer comida desidratada todos os dias e sempre a mesma coisa, o que por vezes já nem a podemos ver mas tem que ser. A falta de higiene total, serão 10 dias sem tomar um único banho e com toda aquela poeira no ar não será difícil as bactérias atacarem um organismo débil que anda perto do seu limite e se isso acontece estamos liquidados. São noites seguidas sem dormir, conseguimos descansar mas são sonos muito curtos, há sempre fatores que nos despertam, a ansiedade aumenta a cada dia que passa e tudo isto somado vai ditar o nosso desempenho final.

Porque razão achas que a comunicação social não dá o devido relevo aos feitos dos nossos ultramaratonistas?

Acho que estamos no bom caminho, teremos que ver que este não é um desporto de massas, tenho feito um esforço no sentido de informar sempre a comunicação social dos nossos feitos além fronteiras, à medida que esta comunidade de Ultra Runners vais crescendo em participações e grandes feitos, as noticias vão saindo, é uma situação normal no meu entender e para tal teremos que ajudar e informar os jornalistas em vez de os andar sempre a criticar.

Resta-nos agradecer aos 3 entrevistados a colaboração, desejando-lhes as maiores felicidades para a prova. Iremos acompanhar diariamente os seus percursos na nossa página do facebook.

Edição 24 (2009)

Edição 26 (2011)

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Vitor Dias
Vitor Dias
Autor e administrador deste site. Corredor desde 2007, completou 67 maratonas em 18 países. Cronista em Jornal Público e autor da rubrica Correr Por Prazer em Porto Canal. Site Oficial: www.vitordias.pt

8 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns aos Cinco Corajosos Portugueses

    Como eu gostava de ter a vossa coragem. Mas, não a tendo, contento-me a conviver convosco sempre que tenho esse privilégio. Desejo-vos uma boa viagem e uma excelente prova para mais tarde recordar.

    Saúde e felicidades para todos.

    Até sempre

    Joaquim Nogueira

  2. Aos cinco portugueses, e em especial aos meus amigos Telmo e Susana, a melhor sorte do mundo. Vou ficar aqui, neste cantinho, bem atento a tudo o que se vai passar, e a torcer por vocês com muita força. Admiro a vossa coragem!

  3. Gente de muita, muita coragem!
    Convém explicar que a água que a organização fornece é apenas no final de cada etapa (não há propriamente abastecimentos), e que a tal de tenda não passa de um toldo esticado, sem base nem topos, e que serve para pouco mais do que cobrir das estrelas …

  4. Aos atletas os meus votos de excelente desempenho e que a sorte vos acompanhe, que os “animalescos” do deserto nao estejam convosco, pelo menos de forma agressiva 😉
    Venham de lá esses lugares de destaque a que tanto nos têm habituado

  5. É lamentável, a todos os títulos que a imprensa ignore este acontecimento. Se um fosse um futebolista com um penteado à maneira… enfim… é a imprensa desportiva que temos.

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