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Quantas rodas preciso para me mover?

Rui CavacoO Porto é cidade de mitos e lendas. Dois mitos acerca de transportes foram afincadamente apregoados ao longo de anos.

Num deles garantia-se que o subsolo da cidade seria feito de um granito demasiadamente duro para poder vir a suportar um sistema de metro subterrâneo.

Numa versão alternativa, o impedimento iria residir nas águas subterrâneas. Em Junho de 2004 o mito desfez-se com a inauguração do nosso bem conhecido (e muito usado) sistema de metro ligeiro.

Outro mito muito difundido é o que nos diz que a cidade não é minimamente ciclável.

Ao contrário do “terrível” granito das profundezas do nosso subsolo – que não poderia ser perfurado – podemos bem observar um acentuado declive em ruas importantes do centro como as ruas de Camões, de 31 Janeiro, da Boavista, de Mouzinho da Silveira e de tantas outras, e que parecerá bem ameaçador aos novos candidatos a ciclistas urbanos. Igualmente ameaçador é o congestionamento do tráfego automóvel, deixando reduzido espaço para a circulação dos velocípedes, mesmo até onde já existem ciclovias. Além da exiguidade do espaço disponível para circular, os corajosos ciclistas enfrentarão ainda dois inimigos de respeito: uma atmosfera poluída pelos gases de escape e a coexistência com os excessos de velocidade com que o automobilista tenta (sem sucesso) ganhar alguns segundos entre paragens em cruzamentos e em semáforos vermelhos sucessivos.

Acrescentando a isto a irregularidade de alguns pisos ainda empedrados, a falta de civismo frequente dos automobilistas (1) e o clima chuvoso em metade do ano, percebemos bem que a ideia do Porto ser ciclável possa ainda parecer um mito a muitos.

Contudo, os benefícios de circular em bicicleta podem, na realidade, compensar largamente os aparentes malefícios.

Os benefícios em forma física são dramáticos. O tempo de deslocação rivaliza ou chega a ultrapassar o do automóvel, sobretudo nas horas de ponta em que o automóvel pode passar mais tempo parado do que em movimento. Num trajeto sem grandes subidas, é fácil chegar a demorar metade do tempo que levaríamos em automóvel, ainda mais diminuído por não ser necessário encontrar lugar de estacionamento.

Quanto ao clima, na verdade o Porto tem em média cerca de 216 dos dias de um ano sem chuva, ou seja 60%. Além disso, uma pessoa numa forma física mediana e uma bicicleta adequada consegue vencer as ruas mais declivosas (com mais ou menos suor). Para ajudar a vencer os declives, existem hoje várias soluções de tracção elétrica e também subsídios para a sua compra. Os estudantes universitários da cidade são alvo de um programa específico de incentivo à circulação em bicicleta elétrica. Existem também inúmeras soluções para o transporte daquelas pequenas cargas que levaríamos connosco num saco ou numa mochila se circulássemos a pé.

Só fica a faltar ter uma atmosfera menos poluída e diminuir os riscos na circulação. Isso só é possível pela conquista de espaço ao automóvel. Para esse efeito, finalmente, desde este verão que o município do Porto esta a investir de forma intensiva na materialização de ciclovias.

Para quem está desejoso de experimentar, quem quer usar ocasionalmente, quem não chegou a ganhar grande experiência de bicicleta na juventude ou ainda quem, de qualquer outra forma, não tem confiança suficiente para enfrentar a preponderância – tantas vezes tão agressiva – do automóvel nas nossas ruas, a existência duma infraestrutura ciclável significativa é o “empurrão” que falta para sair usufruindo do prazer que é circular no Porto de bicicleta.

Garantidas as condições mínimas, depois de experimentar, será difícil de voltar atrás …

Nota: (1) – infelizmente muitas vezes acompanhado de igual falta de civismo de alguns ciclistas mais agressivos

Rui Cavaco

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Rui Cavaco
Rui Cavaco
Com formação de urbanista, profissionalmente ligado às tecnologias de informação geográfica, é um entusiasta do uso frequente da bicicleta e do transporte coletivo e um assumido entusiasta pelos caminhos de ferro.

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