Toca o despertador. Apesar das pálpebras cerradas vejo com nitidez o filme que começa a passar à frente dos meus olhos. No silêncio de um despertar supostamente rotineiro, emociono-me.
No dia anterior, após ter lutado com todas as minhas forças para evitar adormecer ao volante, numa curta viagem de 40 quilómetros a meio da tarde, só tive tempo de tomar um duche e seguidamente arrastar-me até à cama. Não seriam ainda 7 da tarde.
A noite que a precedera tinha sido dormida muito rapidamente. Lembro-me de ter passado pelas brasas sentado no padock, embrulhado num saco-cama, enquanto ia trocando palavras entorpecidas com atletas que se revezavam e outros que faziam curtas pausas.
Na noite anterior a essa havia-me esquecido de jantar e não teria fechado os olhos por mais de duas horas. Eram 4 da manhã e ainda eu andava pela pista a verificar estacas e a esticar fita de marcação, com a ajuda dos amigos Armandino Leite e José Soares – um trio tão improvável quanto perfeito.
Os dias que antecederam o fim-de-semana da prova foram também eles desgastantes, tendo tido necessidade de encaixar nos rotineiros deveres profissionais e afazeres familiares os últimos detalhes para que tudo corresse bem na segunda edição das pioneiras 24 horas de Portugal a correr. Centenas de quilómetros percorridos dentro da cidade do Porto, dezenas de horas de contactos telefónicos e um sem fim de linhas escritas, em mails e textos variados. Deslocações a Vale de Cambra, entrevistas, reportagens, interacções com entidades oficiais, autoridades, patrocinadores, fornecedores e atletas. Horas e horas de conversas telefónicas e presenciais com o meu parceiro de aventura e bom amigo Vítor Dias. Tudo acertado ao pormenor.
A acção começara antes da acção. Com uma semana de antecedência, o pessoal da Câmara Municipal de Vale de Cambra, sob a batuta do indispensável Miguel Alves, iniciara a montagem das diversas tendas de apoio e na véspera da prova já nós tínhamos o cenário afinado, com a ajuda da Ana, do Gonçalo e do Francisco, dos inestimáveis companheiros de Retorta e da equipa do banco BIC.
Quando no sábado o dia amanheceu soalheiro, já nós tínhamos o duche tomado e o pequeno-almoço no estômago havia umas boas duas horas. Era tempo de rever procedimentos e fazer um ponto da situação, distribuir tarefas e ocupar posições.
O meio-dia chegou sem aviso prévio e os atletas lá partiram. Recordo o calor e o vai-e-vem entre o padock e o extremo oposto do parque, com o cesto da bicicleta carregado de garrafas de água. Havia música e festa. Lembro-me dos bombos e do palco sempre animado com aulas de variadas de ginástica e dança. Recordo o cair da noite e da banda a tocar dentro da tenda abrigo. Do frio que se instalou e da humidade que persistia. Do silêncio sepulcral no acampamento e do dia que tardava a clarear. Das conversas entrecortadas por um grito de incentivo aqui e ali e do sol que finalmente nasceu. Do final da prova. Dos vencedores, que foram muitos. Do João Oliveira e da Carmen em apoteose. De abraçar emocionado a Analice pedindo-lhe que voltasse em 2016. Dos abraços. Muitos. Dos amigos todos, uns antigos e outros que passaram a sê-lo. E da lágrima que na altura limpei e que agora volta e escorrer.
Obrigado a todos.