Fazes check-out no hotel. Arrumas as malas no carro. Moves-te com dificuldade. Um último olhar para a Serra e o dia anterior parece-te apenas memória de um filme, no qual tu e ela foram os protagonistas.
Puxas a película atrás.
Recordas o caminho da meta ao carro, a lutar contra o frio, amparado pela família.
A sopa quente que engoliste quase num trago, enquanto atabalhoadamente lhes resumias a prova.
Os últimos metros corridos com o teu filho, nos quais a chuva se transformou em lágrimas.
A vertiginosa descida das Voltas de S. Bento, uma corrida que teve tanto de desenfreada como de dolorosa. Mas tinhas que correr e correr, porque eles estavam à tua espera na meta.
A subida depois do Museu. A chuva gelada, o frio que te cortava a pele e te fazia correr quando já mal conseguias caminhar.
A Mata de Albergaria e o correr contra o relógio. Aquela chamada telefónica de que tanto precisavas para enfrentar o que aí vinha. O corajoso despir do impermeável e o arregaçar as mangas, porque não pode ser muito pior do que o ano passado.
Aquela descida antes da Mata, pintada com as cores outonais do Gerês.
O ajeitar do boné e senti-lo gelado.
Os primeiros oito quilómetros parecem levar-te directo ao céu.
“Vamos ter chuva durante a prova…” durante toda a prova. Talvez não. Talvez nem sempre tenha chovido, não sabes… estás molhado, gelado. Estiveste sempre assim, dos 0 aos 33.
Os créditos iniciais do filme são escritos num papel com um número e o teu nome.
Um filme que todos os anos, no primeiro fim de semana de Dezembro, tem um novo enredo, com os mesmos protagonistas: tu e a Serra.
Então, finalmente, entras no carro, dás à chave entre um sorriso, uma lágrima contida e uma dor num músculo qualquer.
E para o ano voltarás, para contar uma nova história, ilustrada nos tons outonais do Gerês.
Foto: Sérgio Rodrigues.