Há quem vá a Fátima, à Senhora da Saúde ou ao S. Bento da Porta Aberta. Eu vou ao Paleozóico. As serras de Santa Justa e Pias são o meu Santuário.
Não quero com isto menosprezar outras provas (Freita, Abutres, Faial, Santa Iria, etc.) onde vivi momentos de elevada espiritualidade. No entanto, por ter sido em Valongo que o Trail me desvirginou, sou um fiel devoto. Só não vou se não puder. E este Domingo regressei a Valongo, de onde, na verdade, nunca saio.
Das nove edições da prova, inscrevi-me em nove, participei em oito, concluí sete, duas das quais na Ultra distância. Hoje não.
Diz-se que a primeira vez não se esquece. Corra bem ou corra mal. No Paleozóico todas as vezes são a primeira. Umas mais atabalhoadas, apressadas, precoces. “É bom, não foi?” Outras mais vividas, sentidas, quase tântricas. Mas o que muda, se o percurso pouco muda?
Tudo o resto. O treino, a forma como acordaste naquela manhã, o que comeste, o que vestiste, a música debitada aleatoriamente pelo Spotify, o clima e, acima de tudo, a tua coragem de te encontrares olhos nos olhos com Deus e dizeres-lhe “hoje não.”
“Vamos lá, c******!”, disse eu antes de arrancar para o Elevador. 1, 2, 1, 2. “Pé ante Fé”, sem olhar para cima nem para trás. A sorrir e cantar, cheguei lá em cima.
Hoje não.
Para trás ficou a sempre mágica Couce e o colapso após o Trilho dos Pescadores. A simpática colega que temia que eu morresse de frio, a Rosa que ignorou o meu mal estar e puxou por mim até eu cair de joelhos a vomitar, os que me ofereciam gel ao ver-me indisposto, os que me incentivavam a desistir.
Hoje não.
“Eu conheço o caminho, vou devagar.”
E esse devagar foi retirar uma hora ao tempo de Setembro passado.
“Luís, não vais acreditar na velocidade a que fiz o Elevador, mas agora deixa-me ir que vêm aí uns gajos atrás de mim!”
Até parece que ia ganhar alguma coisa… e ganhei. O orgulho da família ao chegar a casa, o dever cumprido e mais 23 km nas pernas.
Ao ver-me para levantar o dorsal, a Flor procurou de imediato o meu nome na lista da Ultra. Tive que lhe dizer “hoje não.”