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Pedalar atrás do leitão

Uma das canções que marcou a minha infância foi “Vinho do Porto” de Carlos Paião, interpretada pelo próprio e Cândida Branca Flor. Recordo-me de imaginar e visualizar o cenário retratado de cada verso:

Por isso há festa não há gente como esta
Quando a vida nos empresta uns foguetes de ilusão
Vem a fanfarra e os míudos, a algazarra
Vai-se o povo que se agarra pra passar a procissão
E são atletas, corredores de bicicletas
E palavras indiscretas na boca de algum rapaz
E as barracas mais os cortes nas casacas
Os conjuntos, as ressacas e outro brinde que se faz.

Foguetes, fanfarra, procissão… corridas de bicicletas.

De facto, eram comuns, no Portugal dos anos 70 e 80, as corridas populares, normalmente associadas a festas e romarias, organizadas de forma quase espontânea e sem grandes formalismos. O intuito era animar o povo, celebrar o Santo, ou a Santa, e angariar mais uns cobres para o Arraial. O prémio, em géneros, normalmente alimentícios.

Foi numa dessas corridas em que participei, há dias.

Uma viagem no tempo, uma celebração do Desporto Popular, à boleia das Festas de Nossa Senhora da Saúde de Fermentelos.

À partida, vistosas e potentes bicicletas de estrada, robustas bicicletas de montanha, ferrugentas, mas heróicas, “pasteleiras”. E até uma arrogante elétrica. Uma amálgama de máquinas e corredores, uma vontade de pedalar, num circuito de pouco mais de 2km, onde cada ciclista teria que completar quinze voltas.

O prémio que levou um grupo de músicos da Banda Marcial de Fermentelos (no qual me incluo) a organizar uma equipa e inscrever-se era “apenas” um leitão… atribuído à equipa mais numerosa.

As perspectivas de arrebatar o jovem suíno eram boas: na partida, a “Rambóia Cycling Team” era, aparentemente, a única equipa presente.

Mas tal prognóstico não viria a impedir o filarmónico grupo de entrar em prova a dar o máximo possível… ou não.

Era a minha primeira prova velocipédica. Nunca tinha pedalado em pelotão, nem com o mínimo espírito competitivo.

Aquela volta a Fermentelos foi a minha Volta a Portugal. A única subida do percurso era a Serra da Estrela. “Vamos, Marcial! Força, Rambóia! Banda Velha!”

E até houve quem gritasse o meu nome! E aí, as minhas pernas aceleravam automaticamente.

Perdi a conta às voltas, mas terão sido umas nove, ou dez, incluindo uma “volta de honra”, com toda a equipa junta.

Os primeiros deram-nos várias de avanço, mas nós ganhamos. Ganhamos o leitão, uma amizade reforçada e um maior sentimento de pertença.

No fim, não houve Vinho do Porto, mas houve cerveja. E houve a promessa de mais pedaladas juntos.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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