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Afinal Jejuar faz bem?

Afinal Jejuar faz bem?Agora não há dia nenhum que não se ouça falar em jejum. Antes associado a uma sensação de fraqueza ou período de privação para um motivo religioso ou para um exame médico, agora é visto como uma cura para tudo. Já jejuamos desde que nascemos mas nunca se falou tanto nisso.

Entenda-se por jejuar privar o organismo de alimento de forma parcial ou total durante um certo período de tempo. O período de jejum que melhor conhecemos desde que somos gente é o da noite, a menos que acorde durante a noite para comer (e/ou beber) e o segundo mais frequente é o espaço, que pode ser mais ou menos curto, entre dois momentos de ingestão. Mas então porque é novidade?

Como toda e qualquer estratégia que seja “anunciada” como uma forma de emagrecer, o jejum dito “intermitente” vingou desde logo e foram publicados inúmeros livros e artigos de opinião sobre ao assunto. Mas ainda é um tema que levanta muitas questões por várias razões e destacamos três1,2,3

  • Há vários protocolos de jejum possíveis desde atrasar a hora da 1ª refeição ficando 12-16h sem comer (ou mesmo 24h) até passar dias com uma restrição severa e outros com uma “alimentação dita normal” (ad libitum)

  • Os estudos têm durações muito variadas, de 3 meses a 12 meses o que no emagrecimento tem que se lhe diga sobre a adesão ao protocolo

  • Nem sempre há uma comparação com um protocolo de restrição comum, ou seja, uma coisa é comparar com o dia 0 (início) ou com um grupo placebo, outro é comparar com um grupo que siga um plano cuidadosamente preparado com um défice energético

O jejum “suficiente” é importante, fazemo-lo todas as noites e tem um papel crucial no nosso corpo a par do sono (descanso) e de todas as adaptações fisiológicas e metabólicas que decorrem nesse período. Não tem uma duração dita recomendada mas algures dentro das 8-10horas é um período que parece adequado. A verdade é que cada indivíduo poderia saber quando se encontra em jejum e a começar a precisar de alimento se monitorizasse todas as variáveis do organismo, por exemplo, uma vez em hipoglicemia de manhã começaria a ser urgente comer. Antes que a fome chegue “a sério”4.

Durante esse tempo, o fígado fornece energia na forma de glucose ao sistema nervoso gastando a sua reserva de glicogénio e o corpo é mais lipolítico do que nunca.

No entanto, nos dias de hoje, devido à alteração dos horários de trabalho com compromisso das horas da refeição de jantar, do tempo passado em frente do ecrã que normalmente induz um sono mais tardio e com todos os hábitos diários que fazem com que a noite pareça cada vez mais curta, não são raros os indivíduos em consulta que reportam períodos de jejum inferiores a 8h.

Então mas… e os atletas no Ramadão? Não têm de fazer jejum?

Sim, e tenha em conta que não parece haver efeitos pejorativos na performance5 mas esta prática tem uma motivação religiosa e, já agora, na sua maioria os horários de treino e de vida durante o Ramadão são ajustados a essa realidade. Os atletas no mundo ocidental podem ter maior dificuldade em adaptar-se a uma realidade diferente porque os horários não são adaptados.

Como é possível? Onde vão buscar a energia?

A energia para o esforço físico pode vir do glicogénio muscular, intacto durante o jejum de descanso, ou das reservas de fosfocreatina presentes no músculo.

O fator que limita a performance dos atletas em jejum é a hipoglicemia, motivo pelo qual a refeição pré-treino e o intra-treino são tão importantes6.

Mas tem ou não tem benefícios?

Preferimos que reflita sobre se há ou não necessidade de o adotar:

  • Deve fazer um jejum noturno suficiente, sempre que possível tente programar a sua última refeição para 2 a 3h antes de ir dormir, se fizer 7 a 8h de sono tem sempre garantidas 9 a 11h de jejum completo;

  • Pode treinar em jejum caso se sinta bem, sem tonturas ou dores de cabeça, aliás, é mais um dos protocolos de training low ;

  • Caso não tenha fome ao acordar e costuma demorar 2-3h a ter apetite, pode perfeitamente adiar a sua 1ª refeição para o meio da manhã desde que seja completa e nutricionalmente equilibrada o que pode exigir levar consigo;

  • Não vai emagrecer porque correr ou treinar em jejum e “oxidar” mais ácidos gordos durante essa sessão, esse processo depende de toda a ingestão energética do dia ;

  • Não vai poder comer “o que quer e bem lhe apetece” durante as restantes 16h do dia só porque fez jejum prolongado, isso é uma ideia que vende muito mas não é verdade ;

  • E pode mesmo ter dificuldade em ingerir a quantidade suficiente de hidratos de carbono que precisa para ter as suas reservas de glicogénio muscular atestadas porque se diminui o número de refeições fica com menos “Oportunidades”;

Não menos importante, o nosso corpo não é um depósito estanque como o de um carro. Não é o mesmo ingerir 25g de hidratos de carbono em 5 refeições ou 125g de uma só vez. Os alimentos têm de ser digeridos e os seus nutrientes absorvidos induzindo respostas enzimáticas e hormonais que promovam uma certa harmonia no corpo. Não existe qualquer evidência sobre um fracionamento perfeito mas se estudar um pouco sobre fisiologia humana e bioquímica facilmente entende o porquê de nenhum atleta de elite praticar o jejum dito intermitente como um método.

Referências

  1. Welton, S., Minty, R., O’Driscoll, T., Willms, H., Poirier, D., Madden, S., & Kelly, L. (2020). Intermittent fasting and weight loss: Systematic review. Canadian family physician Medecin de famille canadien66(2), 117–125

  2. Rynders, C. A., Thomas, E. A., Zaman, A., Pan, Z., Catenacci, V. A., & Melanson, E. L. (2019). Effectiveness of Intermittent Fasting and Time-Restricted Feeding Compared to Continuous Energy Restriction for Weight Loss. Nutrients11(10), 2442. https://doi.org/10.3390/nu11102442

  3. Harris, L., Hamilton, S., Azevedo, L. B., Olajide, J., De Brún, C., Waller, G., Whittaker, V., Sharp, T., Lean, M., Hankey, C., & Ells, L. (2018). Intermittent fasting interventions for treatment of overweight and obesity in adults: a systematic review and meta-analysis. JBI database of systematic reviews and implementation reports16(2), 507–547. https://doi.org/10.11124/JBISRIR-2016-003248

  4. Tahara, Y., & Shibata, S. (2013). Chronobiology and nutrition. Neuroscience, 253, 78–88. https://doi.org/10.1016/j.neuroscience.2013.08.049

  5. Abaïdia, A. E., Daab, W., & Bouzid, M. A. (2020). Effects of Ramadan Fasting on Physical Performance: A Systematic Review with Meta-analysis. Sports medicine (Auckland, N.Z.)50(5), 1009–1026. https://doi.org/10.1007/s40279-020-01257-0

  6. Kondo, S., Tanisawa, K., Suzuki, K., Terada, S., & Higuchi, M. (2019). Preexercise Carbohydrate Ingestion and Transient Hypoglycemia: Fasting versus Feeding. Medicine and science in sports and exercise51(1), 168–173. https://doi.org/10.1249/MSS.0000000000001773

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Filipa Vicente
Filipa Vicente
Nutricionista (CP1369N) e Professora universitária (IUEM). Escreve para o Correr Por Prazer desde a sua criação em 2008. É essencialmente uma facilitadora de escolhas na busca da melhor versão de nós mesmos. Site oficial: https://nutrium.io/p/filipavicente/blog

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