Silvana e Ernesto tinham acabado de fazer amor. Os corpos nus, suados, levemente cobertos pelos lençóis de seda.
Ao contrário do que era habitual, Ernesto estava tenso, olhar distante, pensativo.
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Que tens? – perguntou Silvana
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É tudo isto…
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O quê? Nós?
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Não és tu… é o Mundo…
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O COVID? O confinamento? O Chega?
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Pior… muito pior…
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É o facto de ser casada?
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Já disse que não és tu…
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Estás a deixar-me preocupada…
Beijou-o delicadamente e esperou que falasse.
Então, ele desabafou:
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São as palavras… as pessoas usam repetidamente as mesmas palavras… Pior! Usam-nas de forma errada!
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Edite Estrela? És tu?
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Isto é sério, Silvana! Toda a gente diz “assertivo” quando, na verdade, quer dizer “acintoso” ou, até mesmo, “malcriado”. E “guerreira”? Tira-me do sério. Qualquer publicação sobre, ou para, uma mulher tem que ter sempre “és uma guerreira”. Guerreira era a Xena, com o seu soutien de inox e com quem eu fantasiava solitariamente aos domingos à tarde. Agora, guerreira, é qualquer influencer com gripe.
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Ernesto… sabes que semântica nunca foi a minha praia…
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Também tu? Porque não dizes “a minha especialidade”, “o meu forte”, “a minha predilecção”? Porquê a praia?
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Desculpa querido, mas não achas que estás a exagerar? Eu sei que está a ser um ano atípico…
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Incomum, anómalo, anormal, inabitual, invulgar, inusual, raro, singular, particular, diferente, insólito, estranho, inusitado, inesperado, desabitual, extraordinário, excepcional…
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Tem calma, amor! Quando isto passar…
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Já faltava essa! Não queres falar também no “novo normal”?
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Basta… vou-me embora.
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Vais? Não te esqueças de “cumprir todas as normas em vigor”.
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Sabes, Ernesto… eras o meu chão, o meu pilar, mas és simplesmente doido!
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Ah! Ah! Ah! Também és daquelas que tem mais pilares que uma Catedral Gótica!
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Por um momento, por apenas um momento, devias sair dessa tua zona de conforto!
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Eu não quero sair da minha zona de conforto! Aliás, eu ainda não a encontrei e, acredita, quando lá chegar, não saio mais!
Silvana terminava de se vestir. Ernesto olhava pela janela. Um silêncio desconfortável.
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Bem, Ernesto… Liga-me quando estiveres melhor. Já estou atrasada e está, literalmente, a chover calhaus.
