Não são muitos, nem grandiosos, os nossos feitos na história da aviação. Quando se fala de conquistas aéreas com a bandeira verde e vermelha colada na fuselagem, o melhor que arrancamos à memória é a passeata que o Gago Coutinho e o Sacadura Cabral foram dar ao Brasil, ali por volta de 1922.
Levaram 19 dias para lá chegar, sendo que o “lá” não chegou a ser a praia de Copacabana, mas antes uns calhaus com bandeirinha brasileira esquecidos no meio do Atlântico (Arquipélago de São Pedro e São Paulo). Enfim, nada que um Lindbergh não fizesse em meio dia de trabalho.
E além do mais, aos olhos de hoje parece manifestamente exagerado fazer tantos quilómetros só para ir às brasileiras. É verdade que, na época, não havia bares de alterne abarrotados de Luzineides e Cleides acabadas de chegar de Mossoró. Mas, ainda assim, se queriam fazer a rodagem ao hidroavião mais valia terem ido a Nova Iorque, que sempre traziam umas coisas bonitas para as patroas, que por essa altura já lá havia Macy’s e Tiffany.
Mas essa é só uma parte da história. A outra, a que quase ninguém conhece, começa quase três séculos antes. Mais precisamente a 1 de dezembro de 1640, data da primeira travessia aérea Lisboa-Madrid. Tentativa de travessia, vá lá!
Miguel Vasconcelos é o nome do herói entretanto soterrado pela avalanche do esquecimento. Nesse glorioso dia, um grupo de amigos, fartos de serem criados de servir dos espanhóis, viraram Lisboa de pernas para o ar e só pararam quando chegaram ao Terreiro do Paço.
Uma vez aí, puseram fim ao domínio filipino e em boa hora o fizeram, porque eu já provei essas rodelinhas achocolatadas e, para vos ser franco, aquilo fica na cova de um dente. Ora, enquanto não decidiam que chocolates haviam de coroar (eu, no lugar deles, teria optado por sua Majestade D. Lindt), trataram de ajudar a espanholada a fazer as malas.
Como as estradas na época não eram grande coisa, acharam por bem reservar um voo para a comitiva regressar a casa. Mas, talvez por overbooking, não couberam todos e decidiram só embarcar o capataz português que nuestros hermanos tinham deixado aqui a governar a coutada.
Miguel de Vasconcelos, esse mesmo, tornou-se então pioneiro da epopeia aeronáutica lusa. Amparado por um punhado de conjurados ‒ assim se chamava a rapaziada que escorraçou daqui a filipada ‒, Vasconcelos fez-se à pista e saiu disparado da janela do Paço Real, rumo a Barajas.
Não se sabe se chegou àquela parte em que o piloto afaga o lado carnudo da coxas da assistente de bordo e diz aquela coisa inaudível do “Ladies and gentlemen, this is your captain speaking”. Muito provavelmente não. O mais certo é ter saboreado com os dentes a dureza da calçada portuguesa ainda antes de dispararem os alarmes do “pi pi… pull up, terrain!”.
Mas o que contou foi a intenção. E o recado: “Bienvenidos, hermanos!” Podeis comer nos nossos restaurantes, comprar nas nossas lojas, passear nas nossas cidades. Mas, quando chegar o domingo à noite, voltai lá para a vossa terra que aqui, mal ou bem, quem manda somos nós!
Um feliz Dia da Restauração da Independência a todos. E aos espanhóis também… pronto, que eu hoje estou bem disposto!