Morreu Maradona, morreu Reinaldo Teles. Curiosamente no mesmo dia. Duas personagens tão afastadas, mas ao mesmo tempo tão próximas, por uma realidade que já não volta.
A realidade de um Domingo, um domingo qualquer, algures nos anos 80…
Domingo outonal, frio, mas com sol no céu e calor na alma.
Dia de futebol. Dia de ir ver o Porto.
“Come tudo, se não, não vais!”
“Anda lá, arranja-te que eu arranjo-te a merenda.”
Saio de casa, de mão dada com o meu pai, para o ponto de encontro com a boleia. Botas, casaco, boné… e um saquinho com a merenda, para comer ao intervalo, ou até antes se me der a fome. Levo o meu porta-chaves com a cara do Gomes.
Estacionar é um martírio. (Há coisas que não mudam, ou mudam pouco).
Há arrumadores de carros e até de motorizadas (onde hoje desliza a VCI).
Os homens saem. As mulheres, a maior parte, ficam para pôr o croché em dia. Há as que vão ao jogo, mais “aferroadas” que os homens… e com língua mais destravada.
Vendem-se bandeiras.
“Compre uma para o menino!”
Vendem-se assentos, porque a bancada é de cimento duro.
Vendem-se chapéus “à chinês” (não do chinês) feitos em papel. E até se vendem lápis para a escola. E, um dia, vim da bola com lápis de pau.
Azul e branco por todo o lado.
“Pião ou bancada?”
“Olha a Dragões!”
“Oh meu senhor, posso entrar consigo?”
“Dá cá a mão.”
(Anos mais tarde, numa altura em que já pagava meio bilhete e tinha vergonha de dar a mão ao meu pai, durante cinco minutos, tive um irmão).
Lá dentro, o verde da relva parece ser envernizado.
O Porto entra para aquecer. “Onde está o Gomes? Quero ver o Gomes!”
“É aquele de mão da anca.”
Acaba o aquecimento e o público aplaude o Otávio, que coloca a última bola no saco com um toque subtil.
Bandeiras no ar, fumo azul e branco, todos de pé que vem aí o Porto.
“Olha o bom café!”, apregoam homens de fato de ganga, carregando ao colo umas maquinetas que me fascinam.
“Fruta ou chocolate?”
A cada golo uma festa.
Regresso a casa, a ouvir os comentários na rádio e os resultados da jornada, da primeira à última divisão.
Cheio de fome, porque o saquinho da merenda foi todo, mas a tarde foi longa.
Pão com queijo, leite com Nesquick e daqui a pouco começa o Justiceiro.
P.S. – Iniciei este texto antes da morte de Vitor Oliveira. Outra grande perda. Outro homem do verdadeiro futebol.
Sobre António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.