O Trail é uma religião!
Como em todas as religiões, há santuários, lugares míticos, que pelo seu ambiente particular, os tornam destino de peregrinação de todos os seus fiéis.
No trail português, com tanta celebração que por aí há, já podemos inclusive separar as épocas exactamente pelos tempos. Por exemplo, na religião católica, temos o Advento, o Natal, o Tempo comum, Quaresma, Pascal e de novo o Comum, que é o único que repete. Digamos que. em termos comparativos, teremos uma nova celebração na Serra da Lousã, lá para Outubro, com a realização do Utax, fazendo desta Serra um dos principais destinos dos fiéis deste apaixonante desporto, cada vez com mais crentes desejosos de baptismo.
Como na religião comparada, há também no trail algumas seitas, imensas paróquias, beatas, cardeais, bispos e papado. Eu devo ser beata, que não saio de lá, mas vou pouco ao altar (leia-se pódio), e não consigo sequer aceder à cúpula da minha Capela, muito menos ao presbitério. Sou crente, porque acredito, insisto, e levo com cada homilia (leia-se empeno), que sabe Deus…
Este texto é alusivo aos Abutres, conhecida Congregação desta fé que processámos, que, dizem, tem costumes ancestrais ligados às punições de heresias e bruxarias, com autênticos calvários desenhados nas bordas das ribeiras, fazendo inclusive brotar da terra imensos mares de lava gelada, onde os menos crentes se enterravam quase até à cintura, de onde partiam em retiro, mirando os pés, rumo ao ponto mais alto da Serra, onde, em purgatório, eram fustigados com fortes nevoeiros e ventos cortantes. Imponentes guardiões, homens e mulheres de vermelho rasgavam o verde envolvente indicando o caminho para a salvação.
De novo mergulhados nas profundezas dos ribeiros, com os corpos chicoteados contra o castanho lamacento, quedas de água gigantescas, adamastores espalhados por todas as encostas, obrigavam os fieis a contorná-las impiedosamente, sem fuga possível, rumo à ancestral terra dos guardiões da sabedoria da Congregação, o Corvo.
Claro está, que para além dos mártires que foram engolidos pela imponência de atroz penitência, houve alguns santificados pela gloriosa natureza, que planaram sobre todos estes castigos, fazendo da provação questão de fé, entrando assim na restrita congregação dos “Illuminati”, gente misteriosa que, em metade da punição, alcança a glória.
Imensas paróquias estiveram presentes, umas mais conhecidas que outras. Há congregações para todos os gostos. Desde a Opus Dei, restrita, com celebrações próprias, onde só se entra com convite, até aos franciscanos dos pés descalços, equipa que com muito orgulho, eu e o Meixedo representámos, e que apelidámos “De Norte Feisse”, para que os homens de pouca fé nos reconheçam. Os Vicentinos de Fora, que de lá vieram, eram quase mais que muitos. Havia até representantes de outras seitas, uns marcados, a observar, outros a tentarem passar despercebidos. Do resto reza a história, no sítio lá daquela Paróquia.
Houve festa bonita nesta religião que professámos.
Honra aos vencedores, glória aos vencidos, enorme respeito por todos os que ali participaram. Obrigado à Célia Azenha, que assistiu a um tombo meu, épico (que me custou o frontal e o GPS), de mais de 3 metros por uma ribanceira abaixo, e que nunca mais me largou, quando respirar já era penoso, das dores nas costelas, quanto mais correr. Uma palavra para os que me acompanharam neste fim-de-semana, tertúlia incluída, José Moutinho, Flor Madureira, Carlos Madureira e João Paulo Meixedo. É sempre um prazer.
Fonte: Tripas e Nortadas