Não passou de todo despercebida na Meia Maratona Sport Zone (Porto), não apenas pela sua compleição física mas sim pela garra e determinação com que foi até ao fim, mesmo quando duvidaram que o conseguisse. Esta entrevista pretende sobretudo saber a sua história e inspirar outras pessoas a acreditar que, como dizia na medalha, “querer é poder”.
Susana Lourenço é uma das muitas pessoas que pode ser vista a correr nas marginais do Porto e Gaia. Sorriso rasgado apesar do esforço, é vê-la aos sábados e domingos a correr pelo simples prazer que a corrida lhe aufere. No passado dia 18, terminou a sua primeira meia maratona, no Porto. Nem os seus actuais 100 Kgs a impediram de o conseguir. Esta médica dentista de profissão já pesou 121 Kgs, já pensa noutras provas e em Março de 2012 irá participar na meia Maratona de Paris.
Como chegou a este peso?
Aos meus 10 anos de idade comecei a engordar e sou o que chama comedora compulsiva, ou seja, a comida acalma-me quando estou nervosa. Isto aliado com a tendência genética para engordar e o prazer pela comida resultou em fórmula explosiva.
Corre também para emagrecer ou apenas corre por prazer e tira partido dos outros possíveis benefícios que uma actividade como a corrida possa trazer como o controlo do peso?
Há 7 anos surgiram-me fasceites plantares nos dois pés e na consulta com o ortopedista ele referiu que o excesso de peso seria uma das possíveis causas. Queria-me operar. Estive cerca de 1 ano a tomar anti-inflamatórios mas um dia cansei-me das dores e decidi que ia perder peso e acabar com elas. Como o meu pai corre há muitos anos e tinha um tapete em casa, decidi começar a correr. Comecei a correr com 120 kg e comecei por fazer 1min a correr (tempo que aguentei da primeira vez que tentei) e 5min a andar. Com o passar do tempo fui encurtando os minutos a andar e aumentando os a correr. Perdi num ano 33 kg sozinha, sem ajuda de médicos… só eu, o tapete e alguns cuidados alimentares.
Quando finalmente decidi começar a correr na rua, comecei a ir para o parque da cidade e aí sim foi quando a verdadeira paixão aconteceu. Corro sem dúvida por prazer e tento fazer com que a corrida nunca se transforme em fonte de stress para mim. Nunca vou correr se estou com o tempo contado. Prefiro ir correr à noite e correr relaxada do que ir treinar e pensar que estou a ficar atrasada.
Se me pergunta dos benefícios da corrida….fico na dúida do que responder. A corrida faz bem á saúde, sem sombra de dúvida, mas tem muitos malefícios também. É desporto de alto impacto para as articulações e torna-se perigosa pela tendência que todos temos que nos impor objectivos ás vezes demasiados ambiciosos e fazer com que exijamos demasiado do corpo. Por isso eu corro por prazer, com tudo de bom e de mau que isso me possa trazer.
Mas também corro para emagrecer, até porque pelos tais objectivos que nos impomos o peso atrapalha e muito!
Mas a questão do peso é muito complicada. Não me parece que a corrida funcione para controlar o peso e explico porque digo isto.
Existem várias questões: quando alguém decide perder peso encaramos sempre a questão como “vou fazer dieta para atingir x peso”. O que é terrível porque quando chegamos à nossa meta, relaxamos e facilmente a nossa querida balança nos traz de volta à realidade.
Outra razão é que a corrida estimula imenso o apetite, portanto se não estivermos preocupados com a alimentação facilmente engordamos.
Foi o que me aconteceu… quando cheguei aos 87kg (peso que tive aos 16 anos!) relaxei, respirei fundo e decidi aproveitar a vida, continuei a correr mas engordei 13kg o que me trouxe de volta aos 100kg.
Preocupa-se com a sua alimentação? Não necessariamente fazendo “dieta” mas procurando comer os alimentos certos.
Desde que comecei a correr preocupo-me muito mais do que antigamente mas confesso que vou dando uns “tiros” fortes na alimentação saudável, até porque o que sabe melhor faz sempre mal.
Porquê a corrida e não outro desporto?
Ao longo da minha vida sempre fui fazendo desporto mas sem durar muito tempo porque não gostava de nada. Sou claustrofóbica por isso os espaços fechados não me aliciam. Adoro a natureza e o ar livre. A corrida para mim além de uma grande paixão e fonte de prazer, permite-me o “desligar do cérebro” que tanto precisamos e nunca senti com nenhum outro desporto. Aliado ao facto de que não temos horários fixos, nem ficamos dependentes de ninguém.
Acontece-me imensas vezes quando vou para o estrangeiro e por causa do jet lag, acordar ás 3h da manha e desesperar por não ter nada para fazer. Para mim é fácil de resolver… equipo-me e lá vou eu! Noite fechada e eu a curtir uma corridinha!
Consultou um médico para saber se poderia praticar exercício físico?
Não, mas todos me aconselham a fazer.
Alguma vez ouviu “bocas” na rua?
Quase numa base diária! Há sempre pessoas que se acham treinadoras e dão os seus palpites, há os “machos latinos” que acham que se não mandarem “bocas” até parece mal e até há mulheres que também acham que têm algo a dizer.
Dependendo da minha disposição e da “boca”, pode sair resposta torta ou não. Já me aconteceu ficar “amiga” de um dito “macho latino”… passou por mim o primeiro dia e mandou “boca foleira” e eu nada disse, passou o segundo dia e repetiu a graçola, ao terceiro dia quando ia a abrir a boca perguntei-lhe se não tinha nada de novo a dizer! O grau de admiração foi tal que começou-me a cumprimentar sempre que me vê e se estou uma semana sem aparecer diz logo que notou a minha ausência!
Mas a verdade é que apesar de muitas vezes ouvir “bocas” pouco agradáveis, sou muito acarinhada pela comunidade de corredores que me rodeia o que me motiva bastante.
O que dizem os seus amigos? Não é normal uma mulher com o seu peso ter a força de vontade que tem e muito menos se expõe da forma que o faz…
Os meus amigos já me conhecem. Nunca fui pessoa de me preocupar muito com o que os outros pensam de mim. Não podemos agradar a todos e a minha postura é que quem não gosta de mim que não se aproxime. Quem não gosta de me ver correr, tem boa solução… é só olhar para o outro lado!
Mas é engraçado ver que consigo entusiasmar alguns amigos a começar a correr e a partilhar a minha paixão. A maior parte das pessoas, quando tentamos fazer com que comecem a correr, diz sempre que não gosta porque não tem resistência para isso. Mas se lhes ensinarmos como fazer os primeiros treinos, a corrida consegue conquistá-los.
Como é a sua rotina habitual de treinos?
Para mim é muito complicado manter uma rotina de treinos regular. Nunca fui uma pessoa muito disciplinada, além de que no meu trabalho é complicado ter horários certos. Por isso prefiro não stressar com o tema. Procuro fazer no mínimo dois treinos por semana e corro sempre aos sábados e domingos. Aconselho-me com o meu “treinador” que é o meu pai e que me chama á atenção quando começo a exagerar. Como adoro correr, facilmente começo a correr todos os dias e a exagerar, fazendo com que as lesões me surjam.
A corrida está a mudar a sua vida?
A corrida mudou radicalmente a minha vida… tornei-me uma pessoa mais consciente do meu corpo e das suas capacidades. Penso que até a nível intelectual a corrida me mudou, nas muitas horas em que corro sozinha e tenho longas conversas comigo mesma e analiso a minha vida.
Quais os seus objectivos a curto e longo prazo na corrida?
Os meus objectivos na corrida são sempre divertir-me e tirar o maior prazer que conseguir dela. Depois desta meia maratona, estipulei o objectivo de a fazer para o ano em 2h. Mas isto sou eu a colocar a fasquia bem lá em cima para me obrigar a treinar bem! Muito sinceramente acho que não tenho espírito para a maratona, por isso as meias são uma boa distância para mim.
O que sentiu ao terminar a sua primeira Meia Maratona?
Uma mistura muito forte de sentimentos…. Primeiro de felicidade e realização! Nunca diria quando comecei a correr que alguma vez conseguiria acabar uma meia maratona. Uma alegria imensa por poder dizer que a minha primeira meia maratona foi na minha cidade linda, que eu tanto adoro. Um carinho muito grande pelas pessoas que me acompanharam e me apoiaram durante a prova. Um sentimento de tristeza pela ausência do meu companheiro de corrida e treinador, que é o meu pai, que por um infortúnio da vida não pode correr mais. A sua presença comigo na prova teria tornado a meia maratona num momento 100% perfeito na minha vida.
Agradecimento: Filipa Vicente
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