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Requiem a um par de meias

Todos sabemos da importância do equipamento do corredor. Essa importância é exponenciada quando se trata (como era o meu caso) de alguém que nunca correu mais que uns escassos quilómetros e para quem, uma afoita aventura se resumia a fazer uma ou duas 1/2 maratonas por ano. Quando decidi dar o passo seguinte, o de me preparar para a maratona, fui-me aconselhar junto de quem sabia o que era correr tal distância.

O medalhado olímpico em Los Angels 1984 António Leitão, tinha uma loja de artigos desportivos em Espinho. Fui lá num dia de Agosto. Cheguei, disse à empregada que lá estava que queria aconselhamento para a compra de umas sapatilhas para correr uma maratona. Pegou no telémovel, “Sr. António, está aqui um senhor que não sabe o que calçar para uma Maratona”. “Trouxe as sapatilhas velhas?”, perguntou-me. Esquecera-me desse conselho que já tinha lido. Pormenores. Regressei uns dias depois, já com um par de sapatilhas usado.

Como de costume, o António Leitão não estava na loja, mas rapidamente veio, quando a jovem lhe telefonou. Apresentou-se simpaticamente dizendo o nome, como se eu não me lembrasse daquele bigode, um adereço habitual na década de 80, a marcar um sorriso de orelha a orelha, com uma camisola de alças branca, apenas com as cores da nossa bandeira na horizontal a dividi-la ao meio do peito que haveria de receber a medalha de bronze dos 5000 mts. O Leitão era uma referência do atletismo nacional e sofria agora por não poder correr, mas logo se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse. Era um ser humano, na vida como na corrida, de uma humildade, alegria e altruísmo contagiantes. Um herói para muitos que como eu o viram correr elegantemente, quer nas pistas, quer na estrada ou corta-mato.

Aconselhou-me as sapatilhas indicadas para o meu peso e passada (após análise das velhas) e quase me obrigou a comprar um par de meias. Quase, porque não precisou, convenceu-me. O argumento foi simples: “Quem gasta dinheiro com equipamento tem que comprar bom, para comprar poucas vezes. E principalmente para proteger o que mais sofre numa maratona: Os pés.”

Sábias palavras. As sapatilhas fizeram mais de 3.000 km. As meias não sei bem, mas tenho já 6 maratonas de estrada, todas corridas com elas, bem como todos os treinos longos. Nas 6 ultras que fiz, apenas em duas não as utilizei. Têm seguramente mais quilómetros que muitas sapatilhas que por aí andam.

Agora que chegou a hora de as reformar, achei justo fazer esta resenha de um elemento tão importante como descurado por muitos de nós, atletas de pelotão.

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Rui Pinho
Rui Pinho
Ultra maratonista por paixão, Presidente da ATRP por missão. Relata a viagem que começou há 12 anos, de uma luta que começou nos 137 kg e que espera levar, pelo menos, até às 137 maratonas.

7 COMENTÁRIOS

  1. Em várias provas em Espanha e este ano na maratona do Porto estiveram uns espanhóis representantes da WrightSock. Abençoados!!! Recomendo a quem sofre como eu de pézinhos de donzela.

  2. Gostava tanto delas (p’lo conforto
    Em tantos passos dados na Corrida
    Por terreno diverso, liso ou torto
    P’la protecção dos pés, de alguma ferida);
    Com elas abraçava o são desporto
    Correndo solto, assim, feliz da vida…
    Maldito seja o tempo, que traz rugas
    E transforma em trapos tais peúgas .

    Abraço, Vitor. Também a mim me custa desfazer das coisas e acabo por ter gavetas cheias de meias rotas, eheh

  3. Obrigado Fernando.
    No entanto lembro que o texto não é meu mas do Rui Pinho.
    Quanto à tua escrita… fico encantado com cada linha que escreves.
    É impossível ficar indiferente e cada vez acho mais que estás na profissão errada.
    Grande abraço.

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