Dizia aqui há dias, a propósito da existência de ciclovias na nossas ruas, que …
“Para quem está desejoso de experimentar, quem quer usar ocasionalmente, quem não chegou a ganhar grande experiência de bicicleta na juventude ou ainda quem, de qualquer outra forma, não tem confiança suficiente para enfrentar a preponderância – tantas vezes tão agressiva – do automóvel nas nossas ruas, a existência duma infraestrutura ciclável significativa é o”empurrão” que falta para sair usufruindo do prazer que é circular no Porto de bicicleta.”
O espaço destinado à circulação automóvel encontra-se congestionado, nas nossas cidades principais, durante boa parte do dia. Dado o atual nível de motorização dos portugueses, este congestionamento tem vindo a agravar-se sistematicamente ao longo das últimas décadas, tendo chegado a um ponto em que, sempre que mais espaço de circulação é disponibilizado ao automóvel, rapidamente este é preenchido e, frequentemente, o congestionamento acaba por se agravar em vez de se reduzir.
Este é um fenómeno bem real ao qual os cientistas vem dando atenção crescente e ao qual se habituaram a chamar o problema da procura induzida: a partir de um certo nível de congestão, disponibilizar mais espaço – vias adicionais numa faixa de circulação – apenas convida à entrada de mais veículos. Estes veículos adicionais em circulação reforçam a acumulação em pontos de conflito como cruzamentos, estrangulamentos, semáforos, locais com estacionamento descontrolado em segunda fila, etc. No final, o resultado de tais intervenções é nulo ou, em alguns casos, de degradação da situação pré-existente.
O condutor individual não tem essa percepção imaginando que, de forma irrealista, se lhe fosse dado um corredor livre poderia ultrapassar todos os outros automobilistas e, finalmente liberto, chegar atempadamente e com total conforto ao seu destino.
Assim, quando lhe surge a visão de um corredor ciclável, a “miragem do canal livre” toma forma e a tentação de o invadir torna-se irresistível. Se não contrariássemos essa tentação, nem o trânsito andaria melhor nem os novos ciclistas teriam a proteção que merecem e que a cidade procura dar-lhes.
Para cortar o acesso do automóvel ao canal ciclável existem vários tipos de barreiras. Nas novas ciclovias no centro do Porto pontua a pintura de linhas contínuas marcadas por balizas brancas, cilindros verticais cravados no solo. A demarcação assim efetuada permite alguma permeabilidade. Vedar totalmente a ciclovia com barreiras físicas seria problemático por, por exemplo e entre outras razões, dificultar o acesso ao edificado em situações de emergência.
Contudo, ao longo de uma ciclovia surge, com frequência, a necessidade do atravessamento ou da partilha do espaço com automóveis e peões. Praças de táxi, acesso a estacionamento ou garagens, são múltiplas as possíveis necessidades de atravessamento da ciclovia pelo automóvel.
Para sinalizar devidamente esses atravessamentos, nas ciclovias do Porto introduziu-se o dente de tubarão: uma marca longitudinal pintada no pavimento que consiste numa sequência de triângulos brancos, em locais de cruzamento com trânsito automóvel, nos quais, a bicicleta tem prioridade.
Os dentes de tubarão são orientados com um vértice a apontar para os veículos que tem de ceder prioridade.
As fotos anexas ilustram dois exemplos de aplicação destas marcas. Na foto da esquerda temos o cruzamento entre uma ciclovia no centro do Porto (R. Gonçalo Sampaio, Bonsucesso) e um acesso a uma garagem subterrânea. Neste caso, os dentes de tubarão estão apontados aos automobilistas que pretendem cruzar a ciclovia para entrar na garagem, lembrando-lhes que tem de ceder prioridade a qualquer bicicleta que circule na ciclovia. O piso amarelo serve de aviso a ciclistas e automobilistas que estarão a atravessar um espaço de circulação partilhada entre automóvel e bicicleta.
Na foto da direita temos um exemplo externo, a entrada na Carrer de la Rutlla, Girona, Catalunha. Neste caso, os dentes de tubarão são usados como sinalização adicional de um atravessamento partilhado de peões e bicicletas, marcado por duas linhas de retângulos brancos.
Aqui, mais uma vez, a presença das marcas triangulares dá a indicação ao automobilista para parar, cedendo prioridade, caso hajam bicicletas ou peões a preparar-se para circular no atravessamento marcado no pavimento.
Esperemos que a melhor compreensão destes sinais concorra para que automobilistas e ciclistas convivam de forma cada vez menos conflituosa nas nossas ruas. E que, se uns “mostrarem os dentes” aos outros, seja apenas como sinal de simpatia :).
Com formação de urbanista, profissionalmente ligado às tecnologias de informação geográfica, é um entusiasta do uso frequente da bicicleta e do transporte coletivo e um assumido entusiasta pelos caminhos de ferro.
1 COMENTÁRIO
Mais um comentário eloquente do ,meu grande amigo e companheiro de voltinhas, Rui Cavaco.
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