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Zélloween

Durante um bom punhado de anos fui mordomo do Halloween na minha rua. Para quem não está familiarizado com o termo, além de ser a pessoa que serve os ricaços nos filmes ‒ e, às vezes, os envenena – , mordomo designa também a pessoa que assume a responsabilidade de organizar uma festa popular.

Não era nada difícil. Bastava avisar os vizinhos que vinha aí um exército de zombies e almas penadas faminto de doces e que a única maneira de se safarem de uma morte agonizante era ter uma sacada de guloseimas à espera deles. Depois, era só juntar a miudagem à hora certa, contar até três e soltar o inferno sobre os prédios e seus desafortunados moradores.

Divertimo-nos todos à brava e, não sendo eu um devoto da data ‒ nunca me mascarei, nem acho grande piada a essa coisa do “doçura ou travessura” ‒, acredito ainda assim que é a festa certa, no tempo certo. Ora vejam lá: se há coisa que os miúdos adoram é mascarar-se e, ainda para mais, de monstros e bruxas ou de qualquer outra coisa que os faça exorcizar aquilo que os mói por dentro nestas idades.

Ainda por cima, acontece ali a meio caminho entre as férias de verão e o Natal, uma terra de ninguém onde a rapaziada se aborrece de morte, sem uma festinha para a amostra. Sim, há o magusto, em novembro, mas isso há muito que deixou de contar para o totobola, que as castanhas dizem pouco a esta malta de agora.

Claro que, inevitavelmente, havemos passamos à parte chata, que é a velha discussão dos usos e costumes. Ai, que o Halloween não é uma tradição portuguesa, que é tudo uma americanização e tal. E a isso eu respondo que não, não é portuguesa esta coisa do Halloween. Têm razão, porque tradição 100 por cento portuguesa é o Pai Natal, beirão de gema, que todos os anos, a 24 de dezembro, enfia o barrete de campino e desce da sua fábrica de brinquedos, algures na Serra da Estrela, percorrendo depois os céus do país no seu trenó puxado pelas típicas renas transmontanas.

Ou será que já ninguém se lembra do golpe palaciano operado ali pelos anos 80, quando o Pai Natal, outrora mero reclame publicitário da Coca-Cola, usurpou o monopólio de distribuição de presentes ao pobre do menino Jesus, que era até aí rei e senhor dos natais portugueses!?

Portanto, gente boa e bonita, se não querem ter uma porta de casa cheia de papel higiénico, farinha, ou a captura de ecrã das mensagens que trocam no WhatsApp com aquela rapariga/rapazola que se ri muito para vocês no ginásio, tratem mas é fornecer bem a despensa com rebuçados, caramelos ‒ nada de Bayards, seus cabrões! ‒ e, se não for pedir muito, aquelas miniaturas de Toblerone muita boas, que os putos não gostam por aí além mas os pais adoram.

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Paulo Jorge Dias
Paulo Jorge Dias
Escritor e jornalista, foi autor da Trombeta de Casal da Burra, um dos primeiros sites de humor em Portugal (2000). Trabalhou no Público, JN e SOL. Site oficial: Site Oficial:

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