É a gola de pelo e a gabardine. É a saia atrevida, a fazer levantar os mortos e a avó Isilda benzer-se com a mão esquerda, perante tamanha “pouca vergonha”.
É o reencontro das famílias. “Veja tia, a minha Vanessa!”. “Oh! Está tão crescida! ‘Cá beijinho à tia!”. E a miúda, enfadada, oferece o rosto à tia, enquanto vai actualizando o Insta (#familymeeting #boring) . “Este é o meu Cajó!”. “Ai que ele já tem bigode! Sabias que a tia viu-te nu muitas vezes? É! Era eu quem te mudava a fralda e limpava esse cuzinho quando a tua mãe ia trabalhar.”
É o comentário futebolístico, feito de mãos nos bolsos, gingar da anca, porque falta o fino e os tremoços. Porque raio os cemitérios não têm bar? “Na Champions estamos lixados, mas cá dentro não damos hipótese.”
É a crónica social. “Olha-me aquela!!! Não quis saber dos pais enquanto foram vivos e agora vem para aqui chorar! Sabias que ela andava enrolada com o cunhado? É!!! E até se diz que o filho é dele!”. “Realmente… tem mais cara do tio do que do pai… E a filha mais velha já vai pelo mesmo caminho da mãe, diz-se que já fez um aborto!”
É a capital da solidão, do silêncio, do abandono, transfigurada em sunset outonal. Só falta o DJ e o copo de gin.
Percebe-se, por isso a indignação generalizada pelo encerramento de cemitérios, ou acesso limitado aos mesmos, provocada pelo COVID-19.
Não se percebe porque é que os mesmos espaços, estando todo o ano abertos, estão todo o ano vazios, abandonados. Flores apodrecem, invólucros de velas vazios são arrastados pelo vento. Salvam-se os sábados de manhã, onde se vendem flores e velas à entrada, aos fregueses do costume. Um ou outro jazigo vai ganhando vida. Efémera. Até ao toque de finados do ano seguinte.