Não vamos estar com eufemismos: desistir custa, dói e fica-nos marcado para sempre. Por muito que nos tentem confortar com palavras mais ou menos vãs, a dor de uma desistência fica para sempre.
Confesso: praticamente em todas as provas de longa distância que faço, penso em desistir. Sejam maratonas de estrada, trails longos ou ultras, a dada altura, penso em desistir.
Por vezes, basta a minha própria motivação interior para continuar em prova. O pensamento nos meus filhos, na minha mulher, na minha equipa, na simples vontade de cortar a meta, empurra-me para mais um kilómetro e depois outro. De abastecimento em abastecimento, lá vou eu até ao fim, com mais ou menos dor.
Noutras alturas, é preciso algo mais. Em duas ocasiões (UTSF 2016 e EGT 2018), estava decidido a abandonar. Liguei à Teresa para dizer-lhe isso mesmo e foi ela que me convenceu a continuar. “Experimenta, tenta, mais um bocadinho…”. E ela empurrou-me, para mais um kilómetro e depois outro. De abastecimento em abastecimento, lá fui eu até ao fim, com mais ou menos dor.
Noutras alturas, são os teus companheiros de prova, a malta dos abastecimentos, ou até o público que te incentivam a seguir em frente.
E quando nada te consegue manter em prova?
(excluo desta reflexão as desistências por lesão)
Repito: e quando nada te consegue manter em prova?
Passam 48 horas desde que decidi desistir na Serra de Arga e a minha cabeça ainda anda às voltas. E vai andar às voltas até passar novamente uma meta.
Foi uma decisão que comecei a ponderar muito cedo, quando me apercebi que estava a ingerir mais água que o habitual e que o calor me torrava a pele e as ideias. “Assim não vai dar…”
E não deu. E, como diz o Mestre Carlos Natividade “quando não dá, não dá.”
Sempre corri por prazer e é esse prazer que me faz aguentar quando a coisa fica feia. Mas, no passado sábado, a coisa ficou tão feia que já não dava prazer nenhum. Alguns colegas que passavam por mim e viam que estava em notórias dificuldades perguntavam “dói-te o estômago? Precisas cafeína?”. Eu só precisava sair dali. Não me doía nada, não estava com problemas gástricos, mas o calor esmagava-me contra a terra, de uma forma que cada inspiração parecia um soco no peito. Não havia maneira de refrescar e baixar a temperatura do corpo. A água nos reservatórios aquecia tão rapidamente que parecia chá e ficava impossível de engolir. Temi a desidratação.
A própria Teresa, quando lhe liguei a dizer que ia desistir aos 24km, não rebateu a decisão como de costume. Confessou, mais tarde, que sentia que eu ia abandonar quando se apercebeu do calor que estava.
Demorei 19km a decidir desistir. Depois foram mais 5, dolorosos e penosos até, finalmente, chegar ao ponto onde entregaria o chip.
Ainda hoje me perguntavam porque é que desisti. Respondi “Não aguentei…” e não consigo desenvolver.
E o que nos conforta quando desistimos? Felizmente, depois de esmagado pelo calor, fui esmagado pelo Amor da minha família e pelo Carinho da minha equipa.
O pequeno Eduardo até aplaudiu quando me viu sair da carrinha, o Joca veio entrevistar-me com o seu bom humor (desculpa não ter dito nada de jeito), o Super Mário Elson deu-me um abraço e o restante pessoal da minha Equipa endereçou-me deliciosas mensagens de apoio.
Mas…
Não vamos estar com eufemismos: desistir custa, dói e fica-nos marcado para sempre.