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25 de Abril: o dia em que Portugal deixou de rastejar e começou a correr

Um dos clássicos dos dias 25 de Abril são as corridas comemorativas da data, combinando dois dos meus maiores (e derradeiros) prazeres: correr e gozar feriados.

Tenho um tal apego a estes dias feriado que, se em algum momento for inventada a profissão, serei um dos mais conceituados sommeliers de feriados, ganhando a vida a experimentá-los e a dar sugestões inúteis aos tristes de carteira obesa. Até já me imagino a aconselhá-los sobre qual o melhor feriado para consumir junto com um prato de peixe ou carne.

– Olhe que temos aqui um Dia da Assunção de Nossa Senhora que casa na perfeição com o churrasco ao ar livre que acaba de mandar vir.

Ainda para mais, tratando-se do mais sumarento dos feriados: o 25 de Abril, data lendária em que o povo concluiu o trabalho que a cadeira de Salazar deixou a meio, pondo fim a 40 e tal anos de opressão, discriminação, desigualdade e intolerância. Para quem não viveu nessa época, digamos que era mais ou menos o que acontece hoje com a ditadura dos créditos à habitação.

Ora, juntar um dia glorioso como este a uma manhã de corrida é, para gente como eu, a conjugação do melhor de dois mundos. Quase a mesma coisa que misturar Natal e primeiro dias de férias de Verão; ou café com champanhe; ou cabrito com arroz de marisco; ou melhor, ainda, um fim de semana romântico com a esposa na mansão Playboy. E daí talvez não.

A tradição destas corridas é antiga, há quem acredite que surgiu logo nos primeiros anos após a revolução. Mas alguns historiadores como o francês Paul Georges Jours [OK, não é um historiador, sou mesmo eu, mas com nome afrancesado]… mas, dizia eu, há historiadores que acreditam que o hábito de fazer corridas no dia 25 de Abril nasceu precisamente em 1974, no dia da Revolução dos Cravos.

Quando a multidão saiu à rua para celebrar a vitória da Revolução e, preocupada com o sedentarismo da malta da PIDE, se lançou em perseguição dos agentes escorraçados do palacete da António Maria Cardoso e agora no desemprego:

– Deus, Pátria e quê??? Anda cá, bufo, que eu enfio-te este cravo num sítio que eu cá sei!

– Foge, agente Barbosa, que eles com aquelas calças à boca de sino correm mais devagar!

– Espera lá, agente Hugo. Está ali o Moniz Pereira a dizer que já batemos o recorde dos 5 e 10 mil metros, e quer-nos levar às Olimpíadas de Montreal, pr’ó ano.

Consta-se que nesse inesquecível dia, tirando a manada fascista que chorou baba e ranho pelo fim das regalias, o país inteiro explodiu de alegria. Exceto, claro, o pessoal do scouting do atletismo, que viu nessa data escapar-lhes por entre os dedos futuros Carlos Lopes e Rosas Motas. Talentos do fundo e meio fundo só aí revelados, depois de anos desperdiçados em salas de interrogatório e catacumbas do regime.

É por isso que neste dia vou correr a manhã toda. Em homenagem a esses homens e mulheres que há 50 anos participaram na mais bonita, memorável e libertadora prova de resistência deste país, pondo a correr daqui para fora a podridão fascista.

E agora vamos lá celebrar, porque o 25 de Abril, como tudo o que há de bom na vida, passa a correr.

Paulo Jorge Dias

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Paulo Jorge Dias
Paulo Jorge Dias
Escritor e jornalista, foi autor da Trombeta de Casal da Burra, um dos primeiros sites de humor em Portugal (2000). Trabalhou no Público, JN e SOL. Site oficial: Site Oficial:

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