Geraldino Silva nasceu em Gemunde, na Maia e vive em Miramar, Vila Nova de Gaia. Engenheiro eletrotécnico e gestor na área do ar condicionado, divide a vida entre a exigência profissional e a paixão pela corrida — uma paixão que não nasceu cedo, mas que cresceu com ele e o levou mais longe do que alguma vez imaginou.
A ligação de Geraldino à corrida tem três capítulos bem definidos: começou por necessidade, evoluiu por inspiração e consolidou-se na competição amadora. Hoje, depois de correr em 54 países e completar 100 maratonas, olha para trás e percebe que tudo começou quase por acaso.
Onde tudo começou: correr por necessidade
O primeiro contacto sério com a corrida surgiria em agosto de 1981, quando tinha 24 anos e frequentava o Serviço Militar Obrigatório, no Curso de Oficiais Milicianos em Cascais. Motivado pela necessidade de se destacar no treino físico e evitar uma colocação longe da família, Geraldino adotou uma rotina rígida e consistente: corria todos os dias, de manhã e ao final da tarde, num percurso de 11 quilómetros entre o Guincho e Cascais.
Era um treino de sobrevivência, físico e financeiro — correr poupava-lhe dinheiro em transportes e aumentava as probabilidades de permanecer perto de casa. Sem o saber, estava a construir as bases de uma disciplina que marcaria toda a sua vida.
O momento que mudou tudo: o impacto de Carlos Lopes
A segunda grande viragem aconteceu a 12 de agosto de 1984. Geraldino encontrou-se dentro do carro, num parque de campismo em Viana do Castelo, colado ao rádio a ouvir a maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. O feito histórico de Carlos Lopes não só emocionou o país, como deixou Geraldino profundamente tocado.
O que ouviu naquela noite parecia quase impossível. Correr 42 km em pouco mais de 2 horas? Parecia sobre-humano. Ele próprio respondeu, naquele momento, que nunca seria capaz de fazer o mesmo. Ainda assim, aquele instante despertou mais do que admiração: plantou a semente de um sonho que só germinaria muitos anos depois.
O salto para a competição amadora
A terceira etapa arrancou em abril de 2006. Aos 49 anos, Geraldino cruzou-se no Parque da Cidade com um grupo de atletas do Porto Runners, que o desafiou a juntar-se a eles. Aceitou — e essa decisão mudou tudo.
Duas semanas depois, estava na sua primeira prova: a meia maratona de Matosinhos. Confessa que não fazia ideia no que se tinha metido. Sofreu, perdeu e voltou a encontrar os colegas várias vezes, mas terminou em 1h45, sem compreender ainda o que essa marca representava.
Seis meses depois, em outubro de 2006, estreou-se na Maratona do Porto. Viveu a euforia inicial, encontrou o temido “muro” ao quilómetro 30 e terminou lesionado. Mas algo decisivo aconteceu: 24 horas depois da prova terminada, já tinha decidido que voltaria.
A maratona abriu-lhe um novo território — exigente, fascinante, transformador.

Treino, disciplina e resiliência
Durante anos, Geraldino seguiu planos estruturados de 12 a 14 semanas, com cinco treinos semanais, entre 70 e 100 km. Intervalados, fartlek, treinos longos, força, ritmo — tudo organizado para permitir duas ou três maratonas por ano.
A pandemia alterou-lhe o percurso: entre 2020 e 2024 fez cinco maratonas, muitas delas com treinos reduzidos a 21 km. Foi a mente que levou o corpo até à meta, sobretudo em Tóquio, onde completou as Six Stars das Majors.
Entre 2024 e 2025, teve o maior desafio da sua vida: realizar 19 maratonas em dois anos, completando as 100 sem praticamente treinar, apenas com força mental e persistência. Conciliar a exigência profissional com o volume de provas tornou impossível manter a preparação física, mas não o afastou dos objetivos.
Para Geraldino, a corrida tornou-se um laboratório de resiliência: onde se aprende a lidar com dor, cansaço, dúvida — e onde se confirma que o impossível é apenas aquilo que ainda não foi testado.
Momentos que ficam: Roma, Veneza e o mundo
Entre as muitas memórias acumuladas em 78 cidades espalhadas por 54 países, duas provas destacam-se:
Maratona de Roma (2009)
A magia da partida junto ao Coliseu ao som de “Chariots of Fire”. A sensação inexplicável de “levitar” entre os quilómetros 12 e 14, perto da Praça de São Pedro. E um fenómeno curioso: terminou com barba de dois dias, apesar de ter saído de casa barbeado — algo que nunca lhe aconteceu noutra prova.
Maratona de Veneza (2015)
Os dois últimos quilómetros corridos ao nível do Mar Adriático, num cenário raro e inesquecível, dependente das condições do mar.
Ao todo, Geraldino correu 100 maratonas em 78 cidades e 54 países — uma coleção de experiências que nenhuma viagem tradicional lhe poderia proporcionar.
Sonhos que pareciam impossíveis
A verdade é simples: nunca imaginou correr uma maratona. Muito menos cem. Nem nos anos de corrida leve pós-militar, nem quando iniciou o treino com o Porto Runners. O sonho começou a ganhar forma apenas em 2014, quando percebeu que podia unir duas paixões — correr e viajar — e quando alguém lhe disse que “o prazo de validade já tinha acabado”. Foi o incentivo perfeito.
Hoje, ao olhar para trás, percebe que a impossibilidade era apenas uma ilusão.
O que mais gosta (e o que menos gosta) na corrida
A corrida oferece-lhe liberdade, contacto com os elementos, endorfinas, descoberta. É uma forma única de conhecer cidades, culturas e pessoas — e uma das maneiras mais simples de unir povos diferentes numa experiência comum.
Mas nem tudo é perfeito: Geraldino assume que detesta lesões e a falta de companheirismo de quem promete treinar junto e só aparece para o aceno inicial.
Conselhos para quem está a começar
A lista é clara, direta e prática:
-
começar devagar e alternar corrida com caminhada
-
definir pequenos objetivos
-
investir em boas sapatilhas
-
alongar antes e depois
-
manter a regularidade
-
escutar o corpo
-
evitar comparações
-
celebrar pequenos progressos
-
encontrar prazer no processo
-
dar tempo ao tempo
O lema que o acompanha
“Um passo de cada vez.”
Simples, humilde e poderoso. Serve na corrida e serve na vida – porque transforma o impossível em inevitável.

