Aos 59 anos, Flor Madureira é uma figura incontornável do trail running em Portugal. Residente na Senhora da Hora e profissional na área comercial, Flor vive a corrida de forma profunda e multifacetada: é atleta, é apaixonada pela montanha e é também responsável por algumas das provas mais emblemáticas do país. A sua ligação à modalidade mistura superação, entrega, voluntariado e um amor incondicional pela comunidade do trail.
O início de uma vida a correr
Flor começou a correr cedo, aos 12 anos. Parou aos 17, mas o destino tratou de a trazer de volta às sapatilhas aos 39. O motivo foi determinante: ajudar a irmã mais nova na recuperação de uma hemorragia cerebral. O processo de reabilitação acabou por despertar novamente a paixão pela corrida — uma paixão que desde então nunca mais largou.
A primeira prova deste regresso foi tudo menos fácil. Inscreveu-se por impulso nos 10 km de Argoncilhe e, como diz com humor, “quase morri!”. Cinco quilómetros sempre a subir e cinco sempre a descer foram suficientes para perceber que o corpo guardava memória… mas também que havia muito trabalho pela frente.
O que a faz continuar
Para Flor, a corrida é sobretudo liberdade. Um espaço para respirar, arrumar ideias e sentir-se mais leve, seja na estrada ou na montanha. Nos últimos anos, a vida obrigou-a a abrandar — foi cuidadora da mãe durante um ano e perdeu o ritmo habitual de treinos — mas a ligação ao desporto nunca se quebrou. O regresso à rotina tem sido difícil, admite, mas a vontade permanece intacta.
Momentos e conquistas que ficam para sempre
Ao longo de décadas, Flor acumulou histórias, viagens e desafios marcantes. Entre os muitos momentos especiais, destaca:
A sua primeira maratona, na cidade do Porto, um sonho concretizado em casa.
Os 70 km da Serra da Freita, em 2011, quando ainda não fazia parte da organização e a mítica prova era, nas suas palavras, “A prova”.
As 24 Horas de Vale de Cambra, em 2016, onde venceu com 164 km percorridos, alcançando ainda o 7.º lugar da geral.
O ALUT 306 km, em 2019, um dos maiores desafios do trail nacional, que completou em 68h55 — a sua maior superação.
O maior desafio: o ALUT
Sem hesitar, Flor aponta o ALUT como o desafio mais duro e transformador da sua vida desportiva. Uma prova onde o corpo e a mente são levados ao limite — e onde apenas quem realmente acredita chega ao fim.
Ser mulher no mundo da corrida
Flor nunca aceitou ser tratada de forma diferente por ser mulher. Quando sentia injustiça, simplesmente não participava. Foi também uma das vozes ativas contra a desigualdade de prémios e escalões entre géneros, contribuindo para mudar mentalidades e práticas dentro do trail.
Quando a organização se torna paixão
A vida de organizadora começou… com muitos impropérios. Flor recorda com humor a sua primeira participação na mítica “Freita”, em 2009:
“Disse mal da minha vida e do organizador. Quem era o louco que nos punha a trepar escarpas?”
O destino, porém, encarregou-se de a aproximar desse “louco” – José Moutinho. Depois de participar novamente em 2010 e 2011, foi convidada a ajudar. Em 2012, perante a ameaça de cancelamento da prova, Flor não hesitou:
“Disse de imediato: não te preocupes, vamos fazer a prova.”
Dessa coragem nasceu uma parceria que deu origem a uma das equipas mais respeitadas na organização de trail em Portugal. Hoje, Flor está envolvida em eventos como o Ultra Serra da Freita, Ultra Geira Romana, Maratona Filhos da Freita, Circuito Terras do Mundo, Voltas do Impossível e Sunset Trail de Mansores.

O que mais a cativa – e o que menos tolera – na corrida
Flor gosta de correr em todos os terrenos. É simples: correr faz parte dela.
O que não suporta? Falsas modéstias, egos inflados, batotas, exigências absurdas, e quem se preocupa mais com brindes e fotos do que com a qualidade dos trilhos.
Conselhos para quem está a começar
Flor é clara e direta:
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Não queimem etapas.
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Aumentem as distâncias progressivamente.
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Construam uma boa condição física antes de grandes desafios.
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E, sobretudo, permitam-se ter boas experiências. Uma má estreia pode afastar-vos para sempre.
A frase que a acompanha
Flor resume a essência da corrida — e da vida — numa frase que carrega consigo:
“A montanha testa o corpo e liberta a alma.”
Uma verdade que vive todos os dias, seja a correr, a organizar ou a inspirar outros a encontrar o seu próprio caminho na montanha.

