Quando participo em provas costumo pedir licença, mas só quando vão muitos corredores alinhados, ao lado uns dos outros, e preciso que alguém dê um jeitinho para eu passar. Dentro de muito pouco tempo, vou ter de pedir licença… e pagar por ela.
Isto porque a Federação Portuguesa de Atletismo (FPA) prepara-se para cobrar 36 euros por ano – ou 4 euros por prova – por uma nova Licença de Corredor, sem a qual ninguém se poderá inscrever em provas de atletismo, incluindo as populares meias-maratonas, São Silvestres e corridas de domingo de que tanto gostamos.
Aparentemente, o 1.º de Abril chegou antes do tempo à Federação que, no último fim de semana, aproveitou um congresso convenientemente realizado na distante Angra do Heroísmo para fazer aprovar esta medida que vai encarecer ainda mais a prática de uma modalidade. Isto, num dos países da Europa onde é menor a prática desportiva e, logo aí, precisa de incentivos à atividade física. A não ser, claro, que levar a mão ao bolso e esvaziar a carteira seja entendido como prática desportiva.
Lamentavelmente, as notícias acabaram por confirmar que não se trata de brincadeira do Dia das Mentiras e a licença para corredores vai mesmo avançar. E até já há um tarifário definido e tudo. Temos o Plano Pelintra que custa 3 euros por prova, mas se o corredor não tiver seguro fica por 4 euros; e o Plano Premium, que custa 36 euros por ano, que lhe dá livre trânsito para todas as provas – desde que depois pague também a inscrição aos organizadores – e ainda traz importantes regalias e benefícios.
Diz o antigo campeão de atletismo Domingos Castro, agora elevado à categoria de presidente da Federação, que todos os corredores que comprarem a licença dos 36€ “terão seguro 365 dias por ano, recebem um cartão de combustível e ainda está em cima da mesa a atribuição de um voucher de uma agência de viagens”.
Só se for na mesa dele, porque na minha só há contas por pagar. Pelas declarações do presidente, percebe-se assim que todos os corredores têm carro – descontos na CP e nos autocarros é coisa de nórdicos, cá não precisamos de nada disso – e todos os participantes viajam imenso e precisam de agências para lhes tratar do assunto. Esqueceram-se foi de incluir descontos em clínicas de fisioterapia, vouchers de Fisiocreme ou kits de pensos rápidos para as bolhas e Bepanthene para os feridas de fricção.
Ficamos sem saber como é que tudo se vai processar. A licença inclui um identificador tipo Via Verde, que o corredor cola na testa e, ao passar pelos pórticos é descontado o valor? E se aparecer uma luzinha vermelha é sinal que não temos licença e somos perseguidos por corredores-polícias, que vêm em sprint atrás de nós e nos dão ordem de paragem?
Provavelmente, a Federação não sabe responder, porque estarão nesta altura ocupados com as obras de ampliação dos cofres lá na sede. É pena, porque gostava de saber se, depois desta licença, não poderão alargar a medida a todos os outros corredores. Quem diz provas oficiais, diz corridinhas de domingo, à volta do bairro, ou na frente de mar. Vamos também exigir-lhes licença para correr na rua, como se fôssemos pescadores de fim de semana, obrigados a apresentar o papel sempre que aparecerem fiscais descaraterizados no nosso encalço.
– Calma sô guarda, eu não estava a correr, só estava a fugir, por que fiz um assalto.
– Ah, sendo assim, pode seguir.
Melhor do que isso. Seja um visionário, presidente Mingos! Esqueça as licenças, avance e já com a Carta de Sapatilhas. Só pode correr quem tiver ido às aulas de código e de condução de calçado desportivo, ministradas pela Federação, claro, e que tenha sido aprovado por um exame igual ao da Carta de Condução. E multa pesada e penas de prisão para os prevaricadores. Ah e inspeção obrigatória às sapatilhas, sem esquecer de filtros de partículas na roupa interior, por causa daqueles corredores mais propensos às emissões gasosas.