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Teremos sempre o Gerês

Lembro-me da primeira vez.

A viagem, encontrar um Gerês a abarrotar de gente e cor, amigos, conhecidos, pessoal da estrada e do trail, uma grande cimeira da corrida.

O frio, o cheiro a lareira no hotel, as conversas, um repetido “tu? por aqui?”.

A animação, o barulho nas ruas, os restaurantes cheios. E a grande incerteza: “que prova é esta?”

Foi assim, há 10 anos. Tem sido assim, (quase) todos os anos, descontando o período pandémico. Comecei as minhas peregrinações ao Gerês, logo na primeira edição, pelos 21km, fiz três vezes a Maratona mas, desde que foi introduzida a distância de 32Km, tem sido essa a minha prova de eleição.

Se, na primeira edição, pouco ou nada sabíamos do que nos esperava, hoje, já sabemos ao que vamos e é por isso que vamos.

A Gerês Extreme Marathon, superiormente organizada pelo Carlos Sá, não é apenas aquela prova onde chegamos, levantamos o dorsal, corremos e voltamos para casa empenados.

É uma experiência, um ritual que se inicia quando começamos a avistar o Gerês ao longe e termina com a nostalgia da partida, da montanha devolvida ao seu silêncio e calma naturais.

É a gastronomia, o tilintar dos talheres nos pratos, os risos e os copos que se erguem.

É aquele “andar novo”, o descer as escadas em “marcha-atrás”, os “ais” e “uis” a cada passo mais desprevenido.

Para mim, este ano, foi um teste. Um teste à tentação de desistir, ao conhecimento do meu corpo e à capacidade de reagir a situações de desgaste imprevisto.

Foi uma viagem diferente, num percurso que tão bem conheço. Foi como aquele sonho em que queremos correr, mas não saímos do sítio. Foi perguntar-me, vezes e vezes, “porque é que isto me está a acontecer?”.

E o calor… “calor no Gerês, nesta altura do ano?” Enjoo, indisposição… câimbras. “Está tudo a correr bem, hoje.”

O Vitor Dias passou por mim, puxou-me, disse qualquer coisa… mas eu nem reagi. Pensava eu se ficava, ou não, pelo Museu.

Mas no Museu havia água com gás e… canja! A canja, tantas vezes milagrosa na infância, deu um empurrãozinho a um VET40.

Foi isso. Uma manhã que não correu tão bem como era esperado. Mas nada que uma canja não resolva; nada que aquela sopa bem substancial no final não sacie; nada que não seja mitigado pelo sorriso daqueles que te amam, à tua espera de braços abertos na meta.

Pode vir o ano em que não faço nenhuma prova, mas teremos sempre o Gerês. É um imperativo moral enquanto corredor de pelotão. É algo que devo a mim e à minha família. É o início do nosso Natal. É partir rumo ao desconhecido, num percurso que conheço tão bem. É subir ao Céu através de um Inferno pintado numa variada paleta de cores.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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