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Guia prático para o corredor-eleitor

“Corre Pedro, vai Luís, aguenta Mariana, olha aí André, dá-lhe Inês, força Ruis, mexe-te Paulo!”.

A corrida eleitoral não é muito diferente das nossas: há os que ganham, os que perdem, os que desistem e os que são desclassificados. Ora, na Maratona das Legislativas 2024, quem ficou fora de prova fomos precisamente nós, os pobres corredores, que apesar de corrermos mais do que todos os outros eleitores, nos faltou andamento para sermos incluídos nos programas eleitorais.

Talvez porque os políticos não façam lá muita fé no nosso voto, acreditando até que nem lá vamos pôr os pés, a 10 de março, convencidos de que nós, aos domingos, passamos as manhãs a correr e as tardes a queixar-nos com dores, o que são dois belíssimos pretextos para a abstenção. 

Como sempre, a malta da política fez falsa partida e deixou para trás este eleitorado corredor e talvez ainda se venham a arrepender. É que, bem vistas as coisas, todos juntos somos capazes de eleger aí meio deputado. E se esse meio for da cintura para cima, é a parte que interessa porque tem ao menos os bracinhos para erguer a mão e votar. 

Perfeito, concordamos em eleger um deputado só nosso. Mas votar em quem? Não se preocupem, meus queridos e queridas pisadores de alcatrão. O vosso tio Jorge está aqui para trocar o equipamento de corrida pelo de comentador e, qual Margarida Davim ou Sebastião Bugalho, tomar a seu cargo a áspera tarefa de traduzir para corridês os planos que os futuros líderes nos reservam.

Numa primeira espreitadela aos programas eleitorais, percebe-se que todos querem a mesma coisa: pôr o país a crescer. É obviamente uma boa notícia para nós, porque quanto maior for a área geográfica de Portugal, mais espaço temos para correr. Claro que não somos ingénuos e sabemos que as promessas são como as dores nas pernas (desaparecem no dia seguinte) e todo o corredor já percebeu há muito que não há sapatilhas grátis.

Ora vamos lá ver o que diz cada um. À semelhança dos debates, fez-se um sorteio para saber quem começa. Tentou-se primeiro com o método de moeda ao ar, mas do nada surgiu o Medina que, na qualidade de Ministro das Finanças cativou logo ali os dois euros. Optou-se então pela solução papel-pedra-tesoura e aí a Iniciativa Liberal arrumou com a concorrência. Talvez por força do hábito – prometem cortar tudo o que seja despesa pública – escolheram sempre Tesoura, ao contrário dos outros papalvos que insistiam no papel. 

Só que a vantagem do sorteio rapidamente se dissipou, porque a IL não parece ter lá grande popularidade entre os corredores, uma boa parte deles funcionários públicos. Ora, como os liberais prometem privatizar tudo o que mexa, o fantasma do fim das mordomias – sair à horinha, escapadinhas do serviço a qualquer hora – torna-os especialmente impopulares até pela malta do privado, que se vêem assim privados da companhia dos parceiros de corrida oriundos de câmaras e repartições.

Mal por mal, antes o PS que é amigo das tolerâncias de ponto! Aqueles fins-de-semana de quatro dias vêm mesmo a calhar para a sequência de treino longo-treino de recuperação, essencial a quem prepara a maratona. Melhor ainda, se alguém mostrar este artigo ao Pedro Nuno Santos, podem ter a certeza que ele não acaba a campanha eleitoral sem prometer IVA zero em calçado desportivo para todos os portugueses que não andem a arrastar os pés. 

Quanto à Aliança Democrática, o meu palpite é que ficam a ver navios, porque, sejamos francos, a malta corredora gosta pouco de alianças. Ou vocês julgam que ninguém vos vê, ao domingo de manhã, a tirarem a aliança do dedo e a esconderem-na no cinzeiro do carro, antes de se fazerem à estrada. Ainda vêm com a desculpa de que lhes incham os dedos e tal e depois não a conseguem tirar. Mas toda a gente já percebeu que fazem parte daquela espécie de corredor que eu, em homenagem à série de desenhos animados da nossa infância, batizei de Papa-Leggins.

E o Chega? Ora bem, como é que vou falar disto sem melindrar essa rapaziada temperamental… Pois, o Chega tem uma relação bastante fluída com a verdade, o que lhe garante maioria absoluta entre aquilo a que chamo de “corredores de bem”. Que é como quem diz, aqueles que têm uma abordagem criativa ao percurso das provas: cortar caminho nas rotundas ou dar o golpe nos pontos de retorno. Basicamente, tudo aquilo que lhes garanta uma vistosa foto do cronómetro que vá depois sustentar a fanfarronice desportiva, que faz as delícias de tontos e semi-cegos das redes sociais.

A seguir vem o Bloco de Esquerda e também me palpita que vá colher umas quantas simpatias, quanto mais não seja porque defendem as casas de banho mistas e nisso a malta da corrida leva já uns bons anos de avanço. Há umas décadas valentes que corredores e corredoras partilham os famosos cubículos amovíveis que encontramos muito bem alinhadinhos junto à partida e à meta. 

Claro que em matéria de casas de banho nem tudo são rosas… nem cheira a elas. O problema aqui não é tanto a ideologia de género mas antes a gastroenterologia de género. É que na base da discriminação está, não a masculinidade tóxica, mas sim a toxicidade masculina. As pobres senhoras que, antes e depois das provas, ali procuram aliviar as suas sôfregas bexigas, encontram naquele meio metro quadrado de imundice o lado mais abjeto do que é ser homem. Sim, porque nenhuma mudança de género – no papel ou na mesa de operações – vai conseguir alterar a natureza bruta e insensível do intestino masculino.

E agora é a vez do PAN, provavelmente a força política mais fraturante entre nós. Por um lado, tem um peso histórico de estar associada a um dos pais fundadores da nossa democracia – eu, pelo menos, sempre que olho para as bochechas da Inês Sousa Real lembro-me logo do Mário Soares. Por outro lado, o PAN por definição defende os animais de companhia, incluindo os cães à solta, e todos nós que corremos já sentimos na pele (das canelas) os dentes dessa bicharada sem dono.

Do Livre espera-se uma votação simpática, porque neste momento já toda a gente percebeu que vai ser um partido-muleta, no caso de um resultado mais coxo do PS. Ora, todo o corredor que se preze já se lesionou a valer pelo menos uma vez na vida e, por isso, sabe dar o valor a uma boa muleta após a cirurgia – ou então a uma segunda-feira em que não nos dê jeito ir trabalhar.

E pronto, não falta ninguém, pois não!? Ótimo, sendo assim, adeuzinho… ah, esperem. O PêCêQuê? Ah, PCP! Pois, desse temos muita pena, mas a corrida eleitoral, como as nossas corridas, tem um limite máximo de tempo e quem chega depois de certa hora não tem direito nem a medalha de participação, nem a frutinha de consolação. Pelo que, na remota eventualidade de conseguirem reunir forças suficientes para vencerem o reumatismo ideológico e finalmente conseguirem cruzar a meta, quando o fizerem, já só estará à espera dele o pessoal da organização, que desmonta as publicidades e acarta com as baias de ferro para cima dos camiões. Dois ou três operários, por assim dizer, que é mais ou menos o eleitorado que lhes resta.

Sendo assim, meus estimados eleitores-corredores, a análise está feita, já não têm desculpa para não ir votar. Portanto, no dia 10, no fim do habitual treininho podem ir diretos para a mesa de voto. Uma vez depositado o papelinho na urna, toca a rumar a casa que é praticamente hora de almoço e, nessas coisas, nós não somos muito melhores do que os políticos: queremos é tacho!

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Paulo Jorge Dias
Paulo Jorge Dias
Escritor e jornalista, foi autor da Trombeta de Casal da Burra, um dos primeiros sites de humor em Portugal (2000). Trabalhou no Público, JN e SOL. Site oficial: Site Oficial:

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