...

O “vício” do açúcar

A palavra “adição” ou “vício” surge frequentemente associada ao comportamento de “binge eating” que têm nos momentos de menor controlo e depois vem um sentimento de culpa parecendo que cometeram um crime.

Importa começar por esclarecer que uma adição é algo muito sério e grave para ser atribuído e diagnosticado com leviandade quando falamos da nossa incapacidade de controlar a fome depois da primeira goma. Uma adição envolve um comportamento persistente, compulsivo e descontrolado que não permite adaptação e é destrutivo1. E como citaram Greenberg e Peters2, nunca se ouviu dizer que os cafés e restaurantes fechassem o açúcar a sete chaves com medo de serem assaltados.

É verdade sim que os alimentos com açúcar, e sobretudo que combinam com gordura, podem estimular partes do cérebro que também são estimuladas pelas drogas de adição e que os indivíduos desenvolvem comportamentos de compulsão alimentar que mimicam o que passa um toxicodependente3. Mas… a toxicodependência é um assunto muito sério para ser comparado ao nosso melhor amigo “devorador de bolos, gomas e bolachas”.

A saciedade e o comportamento alimentar são regulados por uma orquestra muito bem afinada e delicada entre o nosso sistema nervoso, o intestino, o paladar e o próprio tecido adiposo4. A distensão do estômago e os vários sinais químicos enviados durante o processo de ingestão, digestão e absorção são responsáveis pela sensação de saciedade5,6.

Sim, o próprio tecido adiposo produz hormonas responsáveis pela saciedade como é o caso da leptina7 e que deveria fazer com que um indivíduo com excesso de peso conseguisse naturalmente controlar o seu apetite. Isso não acontece porque somos animais racionais e temos poder de escolha mas pior do que isso… temos oferta alimentar mais do que suficiente.

A predisposição para comer, e especialmente comer alimentos com elevada palatibilidade, é um dos gatilhos que procuramos controlar quando trabalhamos no controlo do apetite. Parecem estar envolvidos diversos incluindo a fome hedónica mas também os mecanismos homeostáticos que regulam o equilíbrio entre a ingestão e o dispêndio energético. O que quer isto dizer?

Se começou a correr há uns meses e quer emagrecer uns kgs, começou um plano alimentar restritivo e de repente não consegue deixar de comer aquele bolo ou aquela sobremesa, a culpa não é só sua e não é nenhum vício. Simplesmente o seu corpo está a dizer-lhe que aumentou o gasto energético, está a comer menos e por isso ele pede mais energia espontaneamente. O nosso discernimento é tanto menor quanto maior a discrepância entre ingestão e necessidades.

E será que é necessário fazer uma “cura” para este “vício”?

Sim, há uma série de passos essenciais que passam sobretudo pela consciencialização de que é natural e depende de si.

  • Evite restrições excessivas mesmo que queira perder (muito) peso, procure um nutricionista para ter um plano personalizado, realista e sustentável
  • Evite alimentos “gatilho” numa primeira fase. Se sabe que não consegue comer só uma fatia de bolo ou só uma bolacha ou só uma goma, comece por retirar do seu alcance e opte por “açúcares naturais” para essa necessidade que sente: fruta é uma excelente opção.
  • E depois dê contexto a estes alimentos. Não recuse uma fatia de bolo caseiro ou dividir uma sobremesa com o seu cônjuge nem tão pouco a fatia de bolo de anos do aniversário de um amigo ou familiar. É nesses momentos que deve desfrutar e não em frente da TV.
  • Não troque nada disso por “substituições” fit, light , etc. Pode comer a melhor sobremesa diet do mundo, não vai saciar a sua vontade de comer uma aletria ou um pudim da sua avó por isso esqueça o pudim fit e a aletria proteica, coma comida normal nas doses certas.
  • Foque-se em promover a saciedade em cada refeição: uma fonte proteica de qualidade, hidratos de carbono pouco processados, fruta e hortícolas são sempre boas opções.

No fundo, como tantas vezes recomendamos pense em “adicionar valor” à sua alimentação em vez de proibições. Promova uma alimentação inteligente e baseada nos princípios do Mediterrâneo.

 Referências

  1. Subst Use Misuse. 2017; 52(11):1393-1399.
  2. Int J Environ Res Public Health.2021; 18(18): 9791
  3. Nat Rev Endocrinol. 2017; 13(8):493-498
  4. Front Endocrinol (Lausanne). 2014; 5:58
  5. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2011 Aug; 301(2):E317-25
  6. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2019 Jul 1; 317(1):R39-R48.
  7. Ann Intern Med. 2010 Jan 19; 152(2): 93–100.

 

 

Artigos Relacionados

Filipa Vicente
Filipa Vicente
Nutricionista (CP1369N) e Professora universitária (IUEM). Escreve para o Correr Por Prazer desde a sua criação em 2008. É essencialmente uma facilitadora de escolhas na busca da melhor versão de nós mesmos. Site oficial: https://nutrium.io/p/filipavicente/blog

NÓS NAS REDES SOCIAIS

114,768FãsCurtir
7,752SeguidoresSeguir
1,473SeguidoresSeguir

ARTIGOS MAIS RECENTES