O entusiasmo pela ferrovia e pelos comboios leva à formação de grupos e associações cujo objetivo é a promoção do interesse e a divulgação de conhecimento sobre a ferrovia.
Por vezes nada carinhosamente apelidados de “maluquinhos dos comboios”, os membros destes grupos manifestam o seu interesse de variadas formas.
Há quem guarde ciosamente os seus tempos de lazer para fotografar comboios. Há quem estude afincadamente o material circulante que existiu em determinadas épocas, há quem acumule documentação e conhecimentos minuciosos sobre locomotivas e carruagens. Há quem acumule mapas, fotos e outros detalhes da configuração presente e passada da rede ferroviária nacional e estrangeira. Há quem gaste horas intermináveis a desenhar digitalmente os mais subtis detalhes da rede nacional para fornecer às plataformas de jogos de simulação em computador. Há quem se dedique com afinco ao modelismo ferroviário.
Em Portugal há várias associações destes entusiastas. Uma delas chama-se APAC – Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro a cujo Núcleo Regional Norte tenho o gosto de pertencer.
O que possui o mundo da ferrovia de tão fascinante para atrair todo esse interesse?
Portugal teve a particularidade histórica de ter feito um uso prolongado, até meados da década de 1980, de material circulante do início do século XX. Esta particularidade tornou o nosso país famoso entre os “railfans”, nomeadamente ingleses, que, durante muitos anos, organizaram repetidamente excursões especializadas para apreciar a nossa ferrovia congelada no tempo, fotografando-a em cenários únicos como os vales do Douro, Tua ou as nossas estações famosas.
A presença regular dos “railfans” terá reforçado a inspiração para a formação de grupos nacionais idênticos.
Mas o que tem o mundo da ferrovia de tão fascinante? Nesses idos de 1980 existia a tração com locomotivas a vapor em serviço comercial, em grande medida desaparecida no resto dos países da Europa Ocidental. Hoje apenas dois exemplares existem em circulação nos comboios históricos do Douro e do Vouga, com caldeiras adaptadas à queima de diesel em substituição do carvão.
Mas o encanto estende-se além do vapor. O mundo da ferrovia é um mundo altamente estruturado e planeado e é uma atração natural para quem tem fascínio por tecnologia e por organização. A circulação de uma composição obedece a regras bastante rígidas. A operação diária de uma rede ferroviária obedece a um planeamento e a uma logística minuciosas em que qualquer pequeno revés pode ter implicações complexas. Toda essa atividade faz-se de uma forma orquestrada segundo regras que tornam o modo de transporte ferroviário um dos mais seguros. Este fator segurança é especialmente relevante num país como o nosso, sujeito a uma sinistralidade absurdamente elevada no modo rodoviário.
A tão ambicionada condução autónoma, que tantos gostariam de ver em efeito no seu carro particular, é uma realidade com bastantes anos na ferrovia, existindo em vários sistemas de metropolitano no mundo.
Perante a necessidade de descarbonização, a eficiência energética da ferrovia eletrificada é absolutamente inultrapassável, o que torna o modo ferroviário alvo de promoção pública pelos movimentos ecologistas e pela generalidade dos cidadãos preocupados com o ambiente.
Portugal teve uma rede ferroviária bem mais extensa do que a atual. Estendia-se por áreas como os vales dos rios Tua, Sabor, Tâmega, Corgo, Vouga, Dão e por vários ramais hoje desativados na planície alentejana, atravessava a fronteira com Espanha em vários locais, além dos atuais. Muitos outros ramais foram sendo parcial ou totalmente desativados ao longo dos anos. Perante os múltiplos interesses de desfrute turístico, de segurança, de eficiência energética, de possibilidade de encurtamento dos tempos de viagem (com a implementação de ligações de velocidade elevada – não necessariamente de alta-velocidade), o incremento e a melhoria da ferrovia tem vindo a acolher uma atenção política e do grande público que faz todo o sentido.
E os entusiastas lá estarão para reforçar essa atenção.
(Foto: locomotiva a vapor recém reparada, circulando na maior fábrica e oficina de vapor ainda em funcionamento – pelo menos, na Europa – em Meiningen, Alemanha)
Com formação de urbanista, profissionalmente ligado às tecnologias de informação geográfica, é um entusiasta do uso frequente da bicicleta e do transporte coletivo e um assumido entusiasta pelos caminhos de ferro.
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