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O Glory Hole do orçamento

Tenho a firme convicção de que 90 por cento dos problemas do mundo se resolvem com soluções oriundas da indústria do sexo e o Orçamento do Estado para 2021 não é exceção. Como? Já lá vamos, que primeiro é preciso explicar a embrulhada em que esta gente nos meteu.

Ao contrário do que tem acontecido desde 2016, a maioria parlamentar que apoia o governo não juntou este ano votos que chegassem para aprovar o Orçamento. Episódio incomum, porque se há coisa que a política nos ensinou é que este tipo de negociações é sempre uma espécie de baile da paróquia: basta uma piscadela de olho e um sorridente “a menina dança?” para aparecer logo um bom punhado de pretendentes.

O problema é que, aparentemente, os hábitos de acasalamento parlamentar mudaram dramaticamente e os bailes passaram a ser coisa do anteontem, pouco mais do que um vestígio do paleolítico. Culpa do Costa que empurrou para a política os hábitos mundanos deste tempo, negociando os anteriores orçamentos como quem se entretém a dedilhar uma app de engates.

Bastava-lhe ir deslizando o dedo para a direita do ecrã e, dois ou três matches depois, estava fechado o acordo para irem logo mais tomar café. Bem, já se sabe que tudo acaba por descambar numa meia de leite, mas quem sou eu para julgar eufemismos enraizados na cultura popular?

Claro que Catarinas, Jerónimos e Andrés Silvas não queriam fazer figura de vadias e blindavam-se com aquele tipo de condições que não servem para mais nada, que não seja enganar meninos: “aumento do salário mínimo”; “ONS não, obrigado!”, “mais impostos sobre o rendimento”, ou o incontornável “se queres sexo swipe left”.

E assim se foram passando cinco anos a viver “la vida loca”. Até ao dia em que o PS se viu sozinho em frente ao ecrã de telemóvel, sem encontrar parceiras para mais uma noitada. Bem que pode mandar emoticons com corações e florzinhas, ou até mesmo partilhar uma ou outra dickpick em desespero de causa. Nada feito!

Aparentemente, as amigas com benefícios da Geringonça fartaram-se. Talvez já não tenham paciência para mais um “depois eu ligo ‒ é o ligas!”, Ou morram de medo de voltar a ser abandonadas à sua sorte, numa walk of shame dominical pelas ruelas do parlamento, depois de um prometido (e nunca cumprido) brunch romântico. Ou, pura e simplesmente, porque este meio ano pandémico deixou o garanhão salta-pocinhas de bolsos vazios e o mais certo era acabarem os dois a partilhar a conta do motel ‒ ou, se calhar, pensão barata.

Mas se pensam que isto é o fim de Costa então, meus caros e caras, não aprenderam nada sobre a cadeia alimentar parlamentar. É que o Orçamento é também uma espécie de boleia: sem ele não há saída à noite para ninguém! Ou viabilizam, ou ficam apeados. E, convenhamos, ninguém no seu perfeito juízo quer ir a eleições num tempo destes. Sendo assim, não há volta a dar: Bloco, PCP e companhia precisam do orçamento como do pau para a boca.

E é aqui que entra finalmente o glory hole. Traduzido para português é um buraco na parede, mas não um buraco qualquer. É feito propositadamente para que lá seja inserida uma determinada parte do corpo humano ‒ sim, essa em que vocês estão a pensar ‒ e que começou por ganhar popularidade nos confins do século XX, em casas de banho públicas e cabines de vídeo em sex-shops.

Enfim, lugares onde a rapaziada gostava de, digamos, se aliviar, sem mostrar quem do lado de lá os aliviava. Consta-se que foi ideia da comunidade gay, sempre muito imaginativa nestas coisas, mas rapidamente alastrou. Ganhou estatuto de fétiche e agora é prática regular entre gente danada para a brincadeira, impulsionada pela indústria porno e pela proliferação de paredes de pladur.

Ora, se o conceito resulta em espaços de diversão noturna, porque é que não há de resultar na aprovação deste orçamento? Bem vistas as coisas, toda gente quer que ele passe, mas ninguém quer ficar com a reputação de ter sido aquele que fez o jeitinho ao Governo. Portanto, só precisam de introduzir o Orçamento do Estado no Glory Hole e esperar que alguém, do lado de lá, apareça para o viabilizar, a coberto do anonimato.

Claro que para isso é preciso dar ali um jeitinho à Constituição, de maneira a introduzir o voto secreto nas votações da Assembleia da República. Não é nada que não se resolva. Se houver dificuldade em pôr de acordo dois terços dos deputados, reúnem-se todos ao fim do dia, no estacionamento da Assembleia da República, para uma meia horita de dogging.

Mas sobre isso falamos noutro dia.

Declaração de interesses: Paulo Jorge Dias não é militante, nem simpatizante de nenhum partido. Já votou em todas as forças políticas do chamado “arco da governação”.

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Paulo Jorge Dias
Paulo Jorge Dias
Escritor e jornalista, foi autor da Trombeta de Casal da Burra, um dos primeiros sites de humor em Portugal (2000). Trabalhou no Público, JN e SOL. Site oficial: Site Oficial:

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