...

Não dói nada!

Quando eram miúdos, caíam e se magoavam, não ficavam fulos da vida quando vos diziam: “Já passou, não dói nada!”?

Mas doía como tudo!

Porque diziam eles “não dói nada”?

E o inverso?

Dou-vos um exemplo. Há uns trinta e tal anos, passou-se isto…

Em criança, a minha saúde era uma corda bamba. Asma, bronquite, tosse permanente, nariz sempre a pingar… Andava sempre com xaropes atrás.

Até ao dia em que tive um ataque de asma que me levou de urgência ao hospital e, daí, o meu pediatra conduziu-me ao extinto Hospital de Crianças Maria Pia, onde me fizeram o teste das alergias.

O teste era uma coisa simples: umas picadelas na pele do braço, umas gotas de reagente e, aquilo que empolasse mais era aquilo a que seria alérgico.

Ali estava eu, com uns oito/nove anitos, os meus pais, médicos, enfermeiras, auxiliares. Tudo a olhar para mim. E eu, na boa. Mesmo na boa.

Até que alguém, um dos médicos, começa:

– Está a doer?

– Não.

– Anda lá… podes dizer que está a doer…

– Não está a doer nada!

– Está, está… tu é que não queres dizer!

– NÃO ESTÁ A DOER NADA!!!

…e desatei a chorar…

– Vês como está a doer?

É muito normal, demasiado normal, querermos pensar pela cabeça dos outros. Ou achamos que as suas dores não valem nada, ou achamos que estão demasiado bem, em situações que, a nós, causam impressão.

E isso, a mim, causa muita impressão. Causa-me impressão que me digam que não dói, quando está a doer como o carago.

Causa-me impressão que queiram exponenciar problemas, que até estão a ser resolvidos.

Porque é normal, demasiado normal, querermos pensar pela cabeça dos outros e, pior ainda, sentir pelo coração dos outros.

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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