Não sei o que vocês pensam sobre o assunto, mas eu respeito as longas distâncias. Não acredito que qualquer um se deva aventurar nos 42,195 km e nem que a distância deva ser subestimada.
Hoje em dia é a 1ª meta de quem começa a correr. Concordo que seja uma meta, pois quando comecei a correr também era o meu objetivo, mas não foi o 1º. Fui evoluindo, dos 10 km para os 15, depois as meias maratonas e finalmente a prova rainha. Passaram 8 anos até ser maratonista e esperei 42 anos por este momento.
Uma maratona exige respeito!
É tal a banalização de uma maratona que o importante não é chegar bem e pronto para um novo desafio meses depois, mas, sim, ostentar a medalha nas redes sociais, no trabalho, com os amigos, mesmo que para isso seja colocada em jogo a sua integridade física. O importante é ser maratonista, e ter escrito na testa “superação”, mesmo que nunca mais se volte a correr.
Para mim sempre foi importante o antes, o durante e o após prova. Para mim chegar bem é chegar altiva, cansada, mas não em colapso; é chegar lenta, mas sem forçar nem vir a mancar nos últimos km; é dizer “como sofri”, mas pensar “foi um espetáculo”!
Há tanta coisa que vos posso contar sobre uma maratona: como treinar, o que comer, como se prepararem mentalmente, o companheirismo nos treinos…. Mas nunca vos poderei dizer o que cada um sente durante todo o tempo que demorarem a correr os míticos 42,195 km e a explosão de sentimentos que percorrer o nosso corpo quando cruzamos a meta.
A minha primeira maratona…. Aquela que nunca mais vou repetir, que nunca mais vou esquecer, que nunca mais será igual. Será a 1ª de muitas?
O sonho começou 4 meses antes. Tinha decidido fazer a maratona do Porto este ano pois completei 42 anos em setembro. Seria 1 km por cada ano de vida mais uns metros.
Sempre achei que seria difícil, duro, mas nunca achei que seria impossível. Sabia que tinha que treinar, comer bem, descansar, divertir-me… ia ter sacrifícios, provas duras, testes à minha capacidade de resistir, de nunca desistir, de me superar.
Tudo foi pensado para mim, e isso é uma dica que deixo. O planeamento de uma maratona começa no atleta. Planos standard não servem porque não somos todos iguais. Nunca corri 3 vezes por semana mas fiz muitos km; não fiz apenas um tipo de treino, corri, pedalei, fiz técnica de corrida, nadei, fiz reforço muscular, crossfit, trails; não treinei em grupo mas nos momentos chave nunca estive sozinha; não treinei todos os dias, o descanso é tão ou mais importante do que o treino; cumpri uma alimentação com regras, mas como todas as regras têm exceções também fiz as minhas asneiras; testei tudo, as sapatilhas (tenho alguns stresses com as unhas por isso testei novas formas de atar os atacadores e passei a usar uma proteção nos dedos), a comida que ia levar durante a prova (descobri a alegria de comer aletria enquanto corro!!), a quantidade de água em provas longas (quando beber, quanto beber, o que beber… beber só água é pouco por isso testei eletrólitos e cafeína).
O meu objetivo sempre foi chegar ao fim e não fazer tempos na minha 1ª maratona. Nunca tinha feito uma distância tão longa por isso a minha ambição era cortar a meta.
Ouvi muitas opiniões e palpites do género “Não vais conseguir”, “Devias esperar até correres mais rápido”, “És maluca”, “Correr 21 km não é a mesma coisa”, “Correr no monte não te vai preparar para a maratona”.
Felizmente também tive quem me apoiasse e acreditasse em mim. E a primeira pessoa que acreditou fui eu. Não viro a cara a um desafio e não desisto nunca. Sabia que seria capaz. E no fim tinha razão.
Não posso mentir que toda a preparação até ao dia D custa. É um compromisso que nos acompanha todos os dias. Está a chover, vamos correr; estamos mal dispostos, mas há treino; são 7 da manhã ao domingo, levanta e vai; dormimos mal, temos pena! Do plano traçado com o André acho que só alterei um dos treinos, mas não deixei de treinar.
245 km em estrada, 200 km em monte, 420 km de bicicleta e 3 km na piscina.
Foi pouco, foi muito?
Foi o suficiente para fazer os 42,195 km com um sorriso do princípio ao fim. Demorei 5h30, mas o tempo é o que menos importa. Ficou escrito no meu coração “maratonista”.
Conheci locais fabulosos do nosso país nos vários trails que fiz: as vinhas do Douro no Douro Ultra Trail, as cascatas do Gerês no Trail Serra Arga, o monte Santa Catarina no Trail Santa Catarina, os espigueiros da Caparrosinha no Trail dos Espigueiros.
Ficaram amizades com o José Graça, o Hugo Moita, o Damião Duarte, o Fernando Carneiro, o Rui Frias, o Jorge Cruz, a Susana Canhola, a Paula Alves, e tantos outros que me acompanharam neste trajeto.
Recordações fantásticas da meia maratona de Budapeste, cidade com muita energia e uma prova com muito calor, mas onde senti pela 1ª vez que a maratona seria possível.
A meia maratona de Lisboa depois do tufão Leslie, os 18 km na estrada florestal de Esmoriz, as séries que vi sentada na bike do Breathe.
E eis que chegamos ao dia D.
Pensei que ia ter uma má noite sono, mas dormi que nem um bebé. Estava pronta, mas nada nos prepara para o que se passa depois do tiro de partida. Confesso que estava nervosa e a estratégia pensada para os 42,195 km começava a desvanecer. O objetivo era ir de abastecimento em abastecimento, ou seja, de 5 em 5 km, comer e beber em cada um e partir para o seguinte até encontrar o André aos 25 km. Treinei a minha mente para pensar em 8 séries de 5 km e não em 42,195 km, mas na hora a distância torna-se um gigante que temos que vencer.
Comecei com calma, devagar. A 1ª dificuldade foi chegar ao Sr. Matosinhos. Aquela reta para ir e vir nunca mais acaba. Pensava “Quando chegares à Foz já não falta tudo”, embora ainda faltassem 28 km.
A 2ª dificuldade foi chegar até à marina de Gaia. São km que não terminam, e estás do lado do Porto a ver os atletas correrem do lado de Gaia e tu ainda estás do lado de cá. E pensas “Ok, quando estiver do lado de lá vou encontrar o André”.
A 3ª dificuldade foi estar do lado de Gaia e ver correr do lado do Porto. ?Quando completei os 21 km, pensei “Já só falta metade”. Depois vejo o André que estava à minha espera para fazer os últimos 17 km.
Devido à dor no gémeo tive que andar e correr. Segui todas as instruções do André de como gerir melhor o meu esforço e os km em companhia passaram bem mais rápido.
Chegamos ao km 30. O muro, o desespero, a loucura. Não senti nada disso. No km 30 fiz um vídeo com o André para mostrar a nossa boa disposição e alegria. Sentia-me confiante, já só faltavam 12 km e já não havia mais retornos! Já ia do lado de cá e via os restantes corredores do lado de lá. Depois vieram os 35, os 36, os 37…. E estava quase!
A última dificuldade foi a reta da Foz. Dizer que estava um dilúvio é pouco. Chuva, vento, poças de águas, mas uma vontade imensa de acabar. Sentia a adrenalina a percorrer o meu corpo e não havia S. Pedro que me impedisse.
Quando vi a passadeira vermelha, e quem estava à minha espera, corri para a glória! Nunca poderei agradecer a quem esperou por mim à chuva só para testemunhar este meu momento de loucura! A medalha era minha, carago!
Sempre pensei que iam ser 42,195 km de sangue, suor e lágrimas, mas afinal foram 42,195 km de alegria, diversão, gargalhadas, conversa, companheirismo, felicidade, cansaço, dores. As dores no gémeo esquerdo limitaram-me, mas não me fizeram desistir.
Fiz 25 km sozinha, mas nunca estive realmente só. Foram vários os desconhecidos que gritaram o meu nome e me deram força; foram vários os amigos que me acompanharam ao longo do percurso. OBRIGADA Mónica, Teresinha, Renata, Ana Luis, Rafaela, Telma e Sandra. Obrigada especial ao André, que planeou, apoiou e me acompanhou durante os 4 meses, que fez 17 km debaixo de um temporal, que me acompanha há mais de 6 anos e que sempre acreditou em mim. Como dizem os meus amigos do grupo corrida Correr Leça “Sozinhos vamos rápido, mas juntos vamos mais longe”.
Se chegava ao fim sem o apoio de todos? Chegava, mas não seria a mesma coisa.
A sensação de superação é indescritível, difícil de colocar em palavras. Na hora que cruzei a meta passou pela minha cabeça os anos em que fui obesa e sedentária, os 12 meses que demorei para perder 30 kilos, a luta durante a minha lesão quando estive parada quase 1 ano, a 1ª corrida que fiz, as dificuldades nos trails, tanta coisa num turbilhão de emoções e lágrimas. A luta para chegar ali…. Só quem corre sabe o que significa chegar ao fim, sabe o que custa chegar ali. Chorei muito, mas de alegria!
Fui feliz do 1º ao último km. E pensei “Eu fui capaz”. Pensei também que não queria voltar a fazer outra maratona, mas como diria o Nuno Serra “Começou”.
Esperei 42 anos por aquela medalha e valeu a pena!
Será que inspirei alguns de vocês a sonhar?
Crónica da autoria de Andreia Ribeiro e publicada no seu blog Sapatilhas Pensadoras.
Parabens Andreia o relato está muito bom 🙂
Ah Catano!!!
Que banho nesse dia, deves ter sido uma das felizardos que foi brindada com gritos de guerra e apoio nos últimos 200 metros, enquanto esperávamos pelos nossos, fomos apoiando o dos outros, nem a chuva nos parou!!!
PARABÉNS!!!!