Cerras os olhos e passas em revista o dia que está prestes a terminar. Na realidade, já nem sabes se estás a passar em revista o dia de hoje, o de ontem ou um qualquer outro, anterior.
De olhos fechados, escrevia eu, revives momentos únicos em que atravessas vinhedos imensos, sobranceiros às margens do Douro e do Côa. Estendes o olhar para o horizonte e os vales mostram-se-te infinitos. Agora corres entre muros seculares e vais recolhendo figos, amoras e uvas, quando a passada, por via do declive, se torna mais lenta. Atravessas as aldeias históricas de Foz Côa, Castelo Melhor, Castelo de Numão, Muxagata, Mafômedes, e tantas outras. Muralhas milenares, linhas férreas desactivadas do Tua e do Pocinho, e outras que ainda assistem, de longe a longe, à arrastada passagem de uma velha locomotiva. Cumprimentas trabalhadores, que vão mantendo os socalcos e os campos agrícolas com a sua tão característica geométrica beleza.
Recordas-te daquele final de etapa que terminou com um mergulho no Côa, daquela visita às aldeias históricas de Castelo Rodrigo e Marialva, da excelente visita culminada com uma magnífica prova de vinhos na quinta de Vale Meão, do museu do Vinho do Porto ou do museu da Arte Rupestre. Do magnífico almoço servido a bordo de um Rabelo.
Não é fácil expressar em palavras as sensações que se viveram naquela semana tão especial, em pleno coração do douro vinhateiro, duplo património da Unesco, pelos vinhedos e pelas gravuras rupestres.
As paisagens, as gentes, o silêncio, a harmonia perfeita entre a natureza e os humanos. As aldeias históricas, que nos transportam para os primórdios da portugalidade, inscrita em cada pedra talhada há séculos e devidamente encaixada para formar uma muralha, um castelo, uma torre de menagem, uma cisterna, uma via, enfim uma nação.
O que nos levou lá foi, obviamente, a corrida de montanha. Todavia, o ambiente de permanente festa, a solidariedade entre atletas – sem que se deixe, assumidamente, de parte a componente competitiva – a permanente atenção por parte de todo o staff, para com cada um de nós, fazendo-nos sentir verdadeiramente acarinhados, quase me faz esquecer que era sobre corrida na natureza que vos queria falar.
As etapas são muito equilibradas, alternando jornadas curtas com outras mais longas, pisos “corríveis” com pisos técnicos, desníveis consideráveis, com outros mais suaves. O facto de termos campo base no Centro de Alto Rendimento do Pocinho, mantido por profissionais altamente competentes e de permanente sorriso nos lábios, é outra das inegáveis mais-valias.
O facto de diariamente o programa incluir uma distinta componente cultural, enriquece ainda mais uma aventura que de si já teria e terá pernas para andar. Há já muitos estrangeiros a participar, mas esta é seguramente uma prova com futuro garantido e que dará muito que falar por esse mundo fora. Agora, caros compatriotas, venham também cá na próxima edição perceber o que andam a perder.
Obrigado, Carlos Sá.
Fotos: Thiago Lemos