“É só para te dizer que não entro nessa carrinha!”, disse eu ao Meixedo.
Estávamos na Base de Vida da Torre. Azáfama. Atletas das duas maiores distâncias do evento, familiares, equipas de apoio, abastecimento dos reservatórios, carregamento de relógios e telemóveis e, acima de tudo, procurar comer, beber e descansar. O Meixedo controlava a carrinha dos desistentes. Eu procurava as marcações para sair dali.
A minha prova ia, sensivelmente, a meio e eu estava esfomeado. Fisicamente e animicamente ia bem, mas cheio de fome. O Nuno Pinho, colega de equipa que estava nos 109km, dizia que já não conseguia meter grande coisa. Eu deixava para trás uma interminável subida que nem no ponto mais alto de Portugal Continental parou. “Atenção que a próxima descida é muito técnica!”, alertava o Miguel Catarino.
Na verdade, a “próxima descida” foi feita em “modo ski”. Eu, que nunca tinha corrido na neve, deslindei uma técnica simples e eficaz: deixar-me deslizar e ir equilibrando com os bastões.
O EGT (Estrela Grande Trail) não engana: a Partida / Meta está instalada numa subida como que a avisar-te do que aí vem. E a sensação com que chegamos ao fim é de que nunca paramos de subir. Até porque, quando descemos, já estamos a ver uma subida do outro lado do vale, ou mesmo à nossa frente. Não há hipótese. O Armando Teixeira desenhou um percurso que desafia as Leis da Física: sobes sempre até ao ponto onde começas a subir. Talvez tenha sido Maurits Cornelis Escher (“Google it”) a fazê-lo.
Levei comigo um tracker para o pessoal saber onde é que eu andava. A Teresa e o Eduardo acompanharam-me sempre, mas o Mário Elson perdeu-me depois da Torre e só me encontrou na descida para Manteigas.. Chegaram a pensar que eu tinha desistido… e pouco faltou.
“Teresa, estão ali carros da organização… vou ter com eles e dizer que desisto…. Não aguento ter que subir esta m*rd* que está à minha frente… não dá!”
“Vais desistir agora, que falta tão pouco? Anda lá… só mais um bocadinho! O Eduardo está aqui a dizer «Anda, Pai!»… ouves?”
E, ao fundo, ouvia o Eduardo, de facto, a dizer qualquer coisa.
De facto, o dia até me estava a correr bem… até aquele ponto.
Não entro na carrinha. “Não entras na carrinha.”
Agora, tudo é na terceira pessoa. É a tua mulher, os teus filhos, os teus amigos, a tua equipa, que falam contigo.