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Correr para Crianças

Correr para CriançasJosé Capela, conhecido corredor de pelotão, já nos habituou ás suas façanhas no mundo da corrida, assim como a aventuras por ele levadas a cabo. Desta feita, fez-se ao caminho e durante uma semana percorreu os caminhos de Santiago por uma nobre causa. Ajudar a casa da Criança em Guimarães, foi a razão que encontrou para esta solitária e solidária expedição. A crónica aqui publicada, é um hino à força de vontade e ao poder da escrita. Delicie-se com o relato desta aventura. Obrigado Capela por partilhares connosco esta bonita história.

 

De Guimarães a Santiago de Compostela.

“O Caminho começa na porta da tua casa.”

Segunda-Feira, 20 de Agosto.

Pouco passava das oito horas da manhã quando cheguei à Casa da Criança. Uma colaboradora convidou-me a entrar, cumprimentou-me simpaticamente e desafiou-me a subir, porque a casa já tinha acordado e as crianças já estavam nas suas rotinas – acordar, tomar banho, vestir e tomar o pequeno-almoço. Acompanhei-a enquanto ia abrindo as janelas dos quartos e saudava de bom dia todos os petizes que já estavam acordados e bem despertos para a brincadeira.

Numa das salas, já de banho tomado e a ser hidratada, estava uma menina de sorriso traquina, olhos escuros, pele de ébano e cabelos aos caracóis a pequena Diana. Entusiasmada, liderou o diálogo:

– Olá! Tu para onde vais?

– Eu vou correr, Diana!

– Ahhh! Eu vou para a piscina! Eu sei dar muitas cambalhotas, sabes?!

– Muito bem, Diana

Pouco depois da badalada das oito e meia da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em pleno centro histórico de Guimarães, iniciei a minha viagem rumo à Catedral de Santiago de Compostela. Subi a rua D. Maria, passei no Largo da Mumadona, subi pela parte lateral do Castelo de Guimarães seguindo pela estrada nacional até entrar na ciclovia, construída na antiga linha do caminho-de-ferro que ligava Guimarães a Fafe. Estava um dia de sol bonito, que prometia calor, ainda com poucos kms nas pernas e já adaptado aos 4 kg que carregava às costas na mochila, tinha já uma certeza enorme: A pequena Diana também ia na bagagem e ia ser minha companhia nesta longa peregrinação.

Depois de chegado a Fafe, abalei por estradas secundária sem direcção a Lagoa e decidi fazer uma pausa, junto à Capela da Senhora das Neves, pois já contabilizava quase 30 kms – estava na hora do almoço e temperatura já era superior a 30 graus!

Aviei uma sopa de couves, uma massinha com carne e duas maçãs numa mesa de pedra que tinha debaixo de uma árvore, já que o interior do ‘snack-tasco’ estava repleto de emigrantes que comunicavam entre si aos gritos num dialecto que era uma mistura de português e francês, com predominância dos típicos palavrões do norte de Portugal.

No terreiro da Senhora das Neves preparavam com afinco a romaria da santa que se iria realizar no fim de semana, sendo que nos altifalantes colocados junto aos sinos da capela o Quim Barreiros, com os decibéis no máximo, lá cantarolava o “ponho o carro, tiro o carro, à hora que eu quiser… que garagem apertadinha, que doçura de mulher…” – o Minho no seu melhor!

Eram umas quatro e meia, o calor ainda era muito, mas aquela sonoridade que poluía os meus ouvidos não era a melhor, pelo que resolvi arrancar rumo a Salto. Num ápice cheguei a Aboim e depois ia enfrentar uns 15 kms desertos, abasteci-me bem de água e enfrentei a serra, onde vi ovelhas, cabras, cavalos selvagens, mas pessoas nada! Depois de ter chegado novamente à civilização, ou seja, ao atravessar a estrada nacional Póvoa de Lanhoso – Cabeceiras de Basto, passei pela Igreja de S. Nicolau, em Gondarém e fiz uma breve pausa numa mercearia, para me abastecer de água e comer umas bananas que a senhora simpaticamente ofereceu, dizendo que estavam demasiado maduras e que se iriam estragar.

Depois desta aldeia ia enfrentar mais uns 10 kms desertos subindo até Busteliberne. O calor continuava mas o arvoredo junto aos caminhos municipais atenuava um pouco o estio. Depois desta escalada, continuei a correr a um ritmo moderado, apreciando o quanto é maravilhoso estar no alto da serra e ver o mundo de cima. Lembrei-me da pequena Diana e que talvez ela gostasse de dar cambalhotas ali no alto! Com estes pensamentos e entusiasmado por esta mágica visão, estava a chegar a uma aldeia que eu julgava ser Torrinheiras, mas encontro uma placa a dizer Porto de Olho! Por sorte estava um lavrador junto a um casebre, dirigi-me a ele e perguntei como ia para Torrinheiras e quantos kms distanciava de ali. Apontou-me a direcção, porque nas aldeias ninguém diz se é direita ou esquerda e disse que seriam uns 3 kms. Numa primeira fase fiquei aborrecido com o engano, mas depois até achei que valeu a pena, pois Porto de Olho era um nome fantástico e que definia na perfeição a bela paisagem com que os meus olhos eram brindados! Finalmente, cheguei a Torrinheiras, desci até à estrada nacional Montalegre – Cabeceiras de Basto, a noite começava a cair, mas estava apenas a 6 kms de Salto e do Restaurante Borda D’Água, onde a Dª. Maria me ia dar comida e dormida.

O primeiro dia estava concluído com 66 kms nas pernas e 8 litros de água consumidos! Depois de um duche retemperador e de ter comido umas quantas batatas cozidas com peixe grelhado atirei-me para a cama para o merecido descanso!

 

Terça-Feira, 21 de Agosto.

Acordei bem cedo como aliás é meu hábito. Preparei a mochila e estava pronto para logo que a Dª. Maria abrisse o estabelecimento eu pudesse tomar o pequeno- almoço e fazer-me à estrada. Todavia às sete horas ainda estava fechado e tudo muito silencioso. Como no dia anterior, na passagem, tinha visto uma padaria fui para trás ao seu encontro. Aviei quatro pães com nutella molhados por um chá e a seguir tomei um café. Neste entretanto, os clientes que aí chegavam tinham uma opção de pequeno-almoço bem diferente – ou era cerveja com croissants ou vinho do porto fresco com bolas de berlim!

Acertadas as contas com a Dª. Maria e depois desta me ter dado uma data de maluco por ir a correr até Boticas, eram umas oito e um quarto quando dei início ao segundo dia da viagem. A estrada de Salto a Boticas é um carrossel de subidas e descidas, tem um bom piso, mas é quase totalmente deserta de casas – não fossem os carros dos emigrantes que de vez em quando passavam, a estrada estava por minha conta. Por artes do progresso as auto-estradas chegaram a Trás-os-Montes e a crise ainda não devolveu o trânsito às estradas nacionais. Num ritmo controlado, porque o calor começava a apertar, fui galgando kms e kms, sempre com a preocupação de me hidratar bem. Com cerca de 24 kms nas pernas e a temperatura a rondar os 30 graus a água começou a escassear, mas estava confiante que iria aparecer a qualquer momento uma casa ou um café na beira da estrada para eu poder abastecer os cantis da mochila. Mas nada, deserto autêntico, apenas o alcatrão que rasgava a serra do Barroso! Saltou-me à memória mais uma vez a pequena Diana e que, seguramente, com aquela tenra idade já tinha ultrapassado dificuldades muito piores!

Estava entretido com os meus pensamentos até que, ao longe enquanto descia, avistei um pequeno tractor na berma da estrada. Alto – ali deve haver gente! Quando me aproximei estava um rapaz a tomar conta de umas vacas que por ali andavam. Perguntei-lhe se havia algum café junto à estrada ali próximo – ele respondeu que havia um restaurante a seguir a um altinho, mas que ainda faltavam uns 3 kms! A notícia não podia ser melhor pois estava mesmo a ficar nas lonas de água! Lá fui controlando os kms à espera do altinho e do fim dos 3 kms, no entanto para um transmontano, um ‘altinho´ é uma subida generosa e o meu informador enganou-se num km. Menos mal!!

Entrei no restaurante, bebi uma água, abasteci os cantis e perguntei ao senhor que estava atrás do balcão quantos kms eram até Boticas. Disse-me que eram seis mas que já não subia mais, que aliás até ia começar a descer muito, pelo que eu em 20 minutos me punha lá e ainda apanhava fresquinho na cara! Tive de lhe esclarecer que vinha de Boticas a correr, que não estava de bicicleta!

Porra! Você é maluco! Olha a correr com este calor, aproveite a boleia aqui de um cliente que vai sair agora para Boticas e “num seja doudo”!

– Obrigado por tudo mas vou fazer-me novamente à estrada!

Nem arrisquei dizer-lhe que ia até Santiago de Compostela! Lá fui avistando Boticas do alto e fui descendo com cautela, a descida era demasiado acentuada que até cheguei a pensar que se calhar o melhor era subir!

Parei na Câmara Municipal de Boticas com 33 kms nas pernas, um escaldão valente no lombo e quatro horas e quinze minutos de corrida!

Entrei no primeiro restaurante e perguntei o que tinha para comer.

– Sabe? Já passa um bocadinho da hora do comer, mas ainda temos jardineira.

Marchou a jardineira e depois fui para uma sombra descansar. Mas mesmo à sombra estava quente, 35 graus disseram-me depois! Sentado na relva ia observando a praça envolvente, até que numa casa antiga vejo escrito Biblioteca Municipal. Nem hesitei, entrei na biblioteca e pedi à menina que estava no atendimento se podia descansar ali um bocadinho. Expliquei-lhe para onde ia e que estava a fazê-lo também por uma causa. Recebi o primeiro elogio e indicou-me um corredor que tinha um sofá muito confortável junto à sala infantil.

Mais uma vez a pequena Diana assolou-me ao pensamento – podia ler-lhe uma história ou ela rabiscar um desenho para mim!

Por ali descansei deliciosamente durante 3 horas, sem esquecer a imprescindível hidratação! Para tentar minorar os efeitos do calor, arranquei pouco passava das cinco e meia. Pelas minhas contas para chegar a Chaves eram 20 kms e tinham-me dado a informação que era ‘plaino’ pelo que ia gerir o esforço e controlar o ritmo de modo a completar a etapa em cerca de três horas. Curioso é que como a malta agora só anda de carro, não faz a mínima ideia do que é subir e descer, aliás os primeiros 4 kms foram sempre a subir e depois ora subia, ora descia, obviamente nada de grandes oscilações – mas daí até ser “plaino” ia uma diferença muito grande!

Cheguei a Chaves a noite estava a cair e em vez dos 20 kms anunciados tive que correr mais 2,5 Kms, nada de grande importância para quem totalizou no fim desta jornada quase 56 kms, muitos deles num clima bastante adverso! Arranjei rapidamente poiso e depois do duche tomado, também foi simples encontrar uma pizzaria para comer uma boa dose de esparguete, para de seguida me atirar para cima da cama para o merecido descanso!

 

Quarta-Feira, 22 de Agosto.

O despertador tocou às seis e meia da manhã e às sete já estava numa padaria a comer umas três sandes de pão com marmelada, regadas com chá de cidreira e para rematar um café. Estava determinado em começar bem cedo – atleta escaldado do calor tem medo! Sabia que este dia seria mais calmo e com menos kms que os dias anteriores, no entanto ainda faltavam mais de 200 kms para chegar a Santiago. A partir de Chaves já existiam as setas amarelas do caminho, mas convinha não me deixar levar pelo entusiasmo e embarcar em ritmos muito fortes! Não havia sol, o tempo estava fresco, segui por um caminho pedestre em terra de um parque junto ao rio Tâmega e fui deixando a cidade para trás. Entrei em estradas municipais em direcção à aldeia de Vilarelho da Raia que, como o nome deixa adivinhar, fica a dois passos de Espanha. Nesta povoação parei num centro comunitário onde me colocaram um carimbo na minha credencial e pela primeira vez ouvi as palavras – Bom Caminho!

Já em território espanhol vejo no caminho o primeiro marco em pedra com o azulejo da concha indicando o caminho. Uma vez mais a pequena Diana ocupou-me o pensamento e transportou-me até à minha infância – Como eu gostava de ir a Espanha com os meus pais comprar aqueles caramelos que se pegavam aos dentes!

O sol só abriu quando eu já tinha uns 17 kms nas pernas pelo que já estava mais de meio caminho andado nesta etapa. A construção das auto-pistas provoca danos no caminho, retiram a sinalização e não a recolocam! Senti-me um bocadinho perdido, mas acabei por encontrar sempre o rumo certo. O progresso é inimigo do caminho, mas Santiago ajuda! Finalmente, cheguei ao Albergue de Verin percorrendo 29 kms em cerca de 3 horas desde Chaves, confesso que sem grande desgaste!

Depois de um almoço de patatas cocidas e uma chuleta de ternera, fui descansar para um parque junto ao rio Tâmega, que ficava nas proximidades do albergue, local por onde iria continuar o caminho. Deitei-me na relva, à sombra de uma árvore e antes da partida ainda estive com as pernas de molho nas águas do rio. Observando as crianças que no rio  chapinhavam alegremente, recordei novamente a pequena Diana e o seu sorriso quando me disse que ia para a piscina! Como a etapa não ia ser muito longa, parti quando eram umas seis e meia e o sol já não queimava tanto. Os primeiros 6 kms foram percorridos numa estrada nacional, mas depois entrei em caminhos agrícolas, em terra umas vezes, por entre milheirais, outras por entre montes, o que me deu um certo gozo e um cheirinho a trail!

Já tinha ultrapassado os 10 kms quando me cruzei com um agricultor e num portunhol irrepreensível perguntei-lhe quanto faltava para Laza. Respondeu: 7 kms! Ao que retorqui: Gracias! 300 metros mais à frente cruzei-me com outro agricultor e repeti a mesma pergunta, sendo que a resposta deste foi: 5 kms! Nestes casos o melhor é fazer a média, pensei para as minhas pernas! Cheguei ao Albergue de Laza ainda era bem de dia, em cerca de duas horas e meia para cobrir os 19 kms da etapa da tarde. Assim, neste terceiro dia contabilizei 48 kms e a meio desta aventura tinha já um acumulado de 169 kms, faltava quase outro tanto até chegar a Santiago.

Neste albergue, encontrei três italianos que estavam muito reservadamente a escrever, duas húngaras um bocadinho mais comunicativas e dois polacos, estes sim muito extrovertidos, que fizeram questão de me oferecer uma cerveja, depois de saber de onde vinha e qual a causa que me fazia correr! Depois de tomar a cerveja com eles, disse-lhe que amanhã seria a minha vez de pagar em Orense. Gargalhadas da parte deles, pois diziam que nem no dia seguinte iriam chegar a Orense e isentaram-me desde logo de lhes oferecer a cerveja!

Laza é uma terra pequena pelo que foi fácil arranjar onde comer e em pouco tempo já estava no albergue a descansar. Sentia-me muito bem, a jornada do dia foi relaxante, mas sabia que os dois próximos dias iriam ser complicados – as distâncias iam aumentando e os percursos iriam ser muito sinuosos.

 

Quinta-Feira, 23 de Agosto.

Às seis horas em ponto, quando ainda era bem de noite, fui acordado por um toque de telemóvel com o som harmonioso de sinos de igreja! Os italianos tinham mesmo pinta de pessoas ligadas ao clero e que estavam a peregrinar com muita devoção, sendo que o toque de telemóvel confirmou as minhas suspeitas! Saíram os italianos, depois saíram as húngaras e só depois eu fui preparar as minhas coisas para ir para o centro da aldeia, tomar o pequeno-almoço e meter de novo as pernas ao caminho. Estava até de certa forma relaxado, pois apesar da jornada do dia prometer dureza, a meteorologia anunciava céu muito nublado, possibilidades de chuva e temperaturas na ordem dos 20 graus, o que para mim era uma excelente notícia. Assim, quando abalei faltava apenas um quarto de hora para as nove da manhã (obviamente pela hora espanhola), que já tinha devidamente actualizado. Esta etapa tinha a extensão de cerca de 33 kms e como o percurso iria ter um grau de dificuldade elevado tinha estimado 5 horas para a concluir. Os primeiros kms são por pequenas estradas de asfalto, mas a partir de Tamicelas as subidas com forte inclinação começam a surgir, percorrendo caminhos similares a corta-fogos, com vistas deslumbrantes sobre os vales – puro trail!

Ao passar numa terra de nome Albergaria é obrigatório parar no Rincon del Peregrino, um pequeno estabelecimento decorado com milhares de conchas de Santiago, autografadas pelos romeiros que passam. O senhor Luís cumprimentou-me, demos duas de treta de conversa, abasteci-me de água, ele carimbou-me a credencial e passou-me para a mão uma concha e um marcador para eu rubricar. Além da rubrica, desenhei o logótipo da Casa da Criança e escrevi CORRER PARA CRIANÇAS. Este gesto trouxe-me à memória a pequena Diana e como ela iria gostar daquelas conchas e de fazer um desenho numa! Tirei duas fotos e fiz-me de novo ao caminho, quando 300 metros mais à frente verifico que me tinha esquecido lá do telemóvel, voltei para trás e ainda não tinha chegado, já o senhor Luís estava a entrar para a sua velha Seat Terra para me alcançar e entregar-mo! O caminho é solidário!

Com 15 kms nas pernas, no monte Talarino passo diante da famosa cruz de madeira, que me era familiar das fotos dos meus amigos que praticam BTT e que já tinham feito este percurso de bicicleta. Por volta dos 20 kms e dentro do tempo que tinha estipulado, chego a Vilar de Barrio, paro apenas para carimbar a credencial no albergue desta localidade e sigo viagem. Atravesso longos caminhos em terra batida, mas planos, até chegar a Bobadela e antes de chegar a esta localidade ainda existem vestígios da calçada romana de uma via que ligava Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga). A partir daqui é um sobe e desce num piso onde existe muita pedra, muito bom para treinar técnica de trail! Por fim, chego a Xunqueira de Ambía, onde terminava a etapa da manhã, assinalando o meu cronómetro 32,5 kms e quatro horas e cinquenta minutos, portanto dentro do que tinha delineado para esta etapa e sem grande desgaste físico, pois o tempo era ameno e de feição para a corrida!  “Dios, ayuda e Santiago!”

Xunqueira de Ambía é uma bonita localidade com uma igreja românica, mas que infelizmente estava fechada, pelo que só pude apreciar o seu exterior. Tinha estipulado fazer uma paragem de três horas, que era mais que suficiente para almoçar, descansar e abastecer-me do necessário para a viagem até Orense. O objectivo era chegar a Orense por volta das nove horas da noite, portanto com o dia a cair. Para cobrir os cerca de 20 kms que tinha para fazer e analisando a altimetria do terreno, achava que iria precisar de umas duas horas e meia, já entrando em regime de poupança para a difícil etapa que me esperava no dia seguinte. Arranquei pouco passava das seis da tarde e como o percurso era quase feito no alcatrão de estradas nacionais, recordei os longos treinos que fazia na companhia dos meus amigos do N.A.T. (Núcleo de Atletismo das Taipas), aquando da preparação das maratonas. Este percurso é aborrecido, pois além do alcatrão, às portas de Orense atravessa-se um parque industrial, onde o ruído e o barulho dos carros me incomodou solenemente, para quem gosta de correr no silêncio da montanha, isto é uma tortura! Lembrei-me que a pequena Diana de quem guardo a imagem de uma cara sorridente, que de vez em quando também é capaz de fazer a sua birra! Já no interior da cidade vemo-nos forçados a correr por cima de passeios e desviar de pessoas, além de identificar as setas do caminho, o que faz com que seja uma tarefa mais complicada. Pelo meio destas contrariedades lá cheguei a uma enorme rotunda, onde uma seta para esquerda indicava o Caminho de Santiago e outra para a direita o albergue. Parei ali! Contas feitas 21,3 kms, em pouco mais de duas horas e meia! Fui caminhando seguindo as indicações do albergue, mas daquela rotunda até ao dito cujo, ainda foi mais de 1 km numa avenida larga, muito movimentada e com uma ligeira subida. A minha intenção era chegar ao albergue antes das nove, mas tal não foi possível, só por volta das nove e um quarto é que estava lá. Ainda tive que esperar uns 10 minutos pelo responsável do albergue para me carimbar a credencial e indicar-me a camarata onde ia pernoitar. Fui jantar a um restaurante por ali perto e tinha a esperança de encontrar um supermercado ainda aberto para comprar uns cereais para o pequeno- almoço do dia seguinte, pois precisava de algo muito nutritivo para enfrentar a dura jornada que me esperava. Vi uma farmácia aberta e por sorte, além dos cereais para crianças, tinham também para venda uma gama destes produtos para adultos. Escolhi uns à base de aveia que eu tanto gosto e muito energéticos. Mais uma vez D.A.Y.S.I! Jantei salada de tomate, esparguete com um bife de boi e às dez e meia já estava a entrar no albergue.

Na cozinha encontrei o Rodrigo que estava a preparar umas coisas para comer – um andaluz que já estava a fazer a via da prata há 25 dias. Ele perguntou-me de onde eu vinha e lá lhe estive a explicar que estava a fazer o caminho a correr e a causa pela qual o fazia. Felicitou-me e deu-me os parabéns, além de elogiar a minha condição física para fazer tantos kms por dia! Sinceramente, gostei de ouvir! A jornada seguinte ia ser dura e receber uma dose de moral nunca fez mal a ninguém!

 

Sexta-Feira, dia 24 de Agosto.

Esta era a jornada em que eu estimava que iria precisar de umas nove horas de corrida para chegar ao destino – Silleda. Sendo que a etapa da manhã, com uma extensão de aproximadamente 38 kms eram quase na totalidade feitos a subir! Acordei cedo, como de costume e preparei uma papa com os cereais comprados na véspera, aos quais adicionei água quente. Comi duas tigelas bem cheias e ainda duas bananas que tinha trazido da noite anterior do restaurante. Equipei-me e fui descendo a avenida até à rotunda que tinha a indicação do Caminho de Santiago. Tomei um café e às oito horas estava de partida. O céu estava carregado de nuvens, não havia sinais de sol e a temperatura era muito agradável para correr. Os primeiros 2 kms, ainda dentro de Orense, foram bastante agradáveis, mas depois de passar a ponte romana sobre o rio Minho, e à medida que a cidade ficava para trás, começou uma verdadeira escalada de 3 kms que até a caminhar custava…19% de inclinação! Chamavam a isto o Caminho Real – foi na verdade uma real estopada! Fui correndo quando podia e caminhando quando me deparava com pendientes muy fuertes. No entanto a paisagem era agradável por entre um bosque de carvalhos e castanheiros. Cerca dos 14/15 kms aparece uma aldeia de Bouzas e onde me detive na parada de peregrino.

Subi umas escadas e escutei uma voz que dizia: “Viene un portugués corriendo! Apareci de repente e exclamei: “Sou eu!!!!” Era o Rodrigo que estava a comentar com o senhor Gonzalez! O Rodrigo fez umas fotos comigo, bebi dois goles de água, abasteci os cantis e fiz-me de novo ao caminho que ainda tinha muito que palmilhar! Em duas horas e quinze tinha apanhado o Rodrigo que tinha saído ainda de noite, hora e meia antes de mim – nada mau! As dificuldades continuaram porque as subidas eram uma constante, mas lá fui seguindo num ritmo confortável. Entretanto começa a chuviscar – primeiro até achei que tinha sido uma bênção, mas quando a chuva começou a engrossar e eu a ficar molhado, sentindo algum frio próprio da montanha e a constatar que a roupa que trazia na mochila também ia ficar molhada, não considerei que tenha sido uma graça dos deuses. Neste momento lembrei-me de uma expressão que relembro aos meus companheiros quando estes se escusam de correr à chuva – Chuva é vitamina para atleta! Saltou-me mais uma vez à memória a pequena Diana e pensei se ela gostaria de apanhar chuva nos seus caracóis! Pareceu-me que a ouvi dizer que sim! Engolindo os kms como podia e moralizado por estes pensamentos cheguei a San Cristovo de Cea, encharcado pela chuva, mas com a alma lavada! Fiz uma ligeira pausa no albergue, apenas para carimbar a credencial e imediatamente meti as pernas ao caminho, pois não queria arrefecer! Faltavam cerca de 14 kms para Dozon, mas atendendo às dificuldades climatéricas que entretanto foram molhando as pedras do caminho e tornando-o escorregadio e à altimetria do percurso, calculei que iria precisar de umas duas horas. Continuei por entre bosques de carvalhos e castanheiros, nos quais as folhas iam caindo com o vento que de vez em quando soprava, a chuva entrou num regime de bátegas não muito fortes e por fim lá cheguei a Castro Dozon, depois de ter esbichado 37 kms, duros e molhados, em cinco horas e quarenta e cinco minutos!

Naquele instante não chovia, mas o céu estava com nuvens muito carregadas. Fiz uma pausa de duas horas e meia, tempo suficiente para comer, tentar secar a roupa e descansar um pouco. Dozon é uma localidade pequena, pelo que depois de carimbada a credencial no albergue e de ter tirado a foto da praxe, fui ao único café que havia na localidade – o Café Bar Anton. A cozinha estava prestes a fechar, mas a menina ainda me arranjou uma sopa quente e um esparguete com carne. Curiosamente, não estava com muita fome, pois as barras e os geles energéticos que fui ingerindo ao longo da etapa tinham-me saciado. Assim, estava mais interessado em secar a roupa, pelo que me fechei na casa de banho e naqueles secadores de mãos fui secando pacientemente as peças de roupa que estavam bastante húmidas. Entretanto recomeçou a chover e a hora de eu abalar aproximava-se! Resguardei conforme pude as peças de roupa já quase secas em sacos de plástico dentro da mochila e fiz-me ao caminho com uma chuva miudinha. Eram cinco da tarde e eu estimava que precisaria de umas quatro horas para engolir os 27 kms que faltavam até Silleda, ou seja, se tudo corresse bem chegaria com a noite a cair. Grande parte do trajecto alternava entre o asfalto com caminhos rurais, num constante sobe e desce. No asfalto, e com chuva a cair com mais intensidade, imprimi um ritmo mais forte, como querendo fugir dela! Mas, nos caminhos onde as pedras milenares gastas pela passagem dos peregrinos estavam escorregadias, teria de ter cuidados redobrados e abrandar drasticamente o ritmo. Com 15 kms e uma hora e cinquenta de corrida entrei no albergue de Lalin, aonde estavam dois jovens polacos que ali iam pernoitar. Ficaram atónitos a olhar para mim quando eu lhes disse que vinha de Orense e estava determinado a dentro de duas horas estar em Silleda. Carimbei a credencial, abasteci-me de água, os polacos desejaram-me – Bom Camino! – e eu abalei para os derradeiros 12 kms que me faltavam para completar esta longa jornada! A paisagem por estas bandas era maravilhosa, mas o cinzento do dia retirava-lhe o brilho. Ao passar em Taboada, e depois de atravessar a ponte romana sobre o rio Deza, tive que dominar com mestria a calçada romana que se apresentava muito escorregadia, para evitar deslizes! Assim, fui saltando de pedra em pedra, procurando sempre firmar os pés nas mais secas. A pequena Diana voltou à minha cabeça, imaginando-o também saltar graciosamente de pedra em pedra, como uma borboleta de nenúfar em nenúfar. Finalmente, estava em Silleda, após três horas e quarenta e cinco minutos e 27 kms. A jornada rendeu 65 kms em nove horas e meia. Um adolescente que passava com a mãe tirou-me a fotografia do costume e indicou-me que havia ali uma albergaria na rua do lado. Entrei na Albergaria Marill, a senhora que me atendeu perguntou-me de onde eu tinha partido, ao que lhe respondi que vinha de Orense!

– Bien, vai a guardar la bici, que luego te doy la clave de una habitácion e te preparo algo para comer!!

– Mas eu não vim de bici, vim a pé!

– Por Dios! No me lo creeo…

– Bem, vim a pé, mas a correr quando podia e a caminhar nos sítios em que as subidas não permitiam correr – tentei explicar!

Entretanto, os três ciclistas espanhóis que estavam a comer, pararam para escutar este diálogo.

– Mira, yo ya me quedo por aqui a muchos años, pêro ninguno habia llegado a pie, desde Orense hasta Silleda!

 

Como tinha as roupas bastante húmidas a senhora emprestou-me uma camisola, tomei um banho e depois de jantar, aterrei na cama, mas antes de adormecer ainda fiz as seguintes contas.

5 dias – 287,5 kms! Estou apenas a escassos 40 kms da catedral!

D.A.Y.S.I. – seguramente estarei lá amanhã!

 

Sábado, 25 de Agosto.

Descansei bem e não precisei de acordar muito cedo. Fisicamente sentia-me quase como se estivesse a começar esta peregrinação e com a imponência da catedral no horizonte, estava muito moralizado! Tinha delineado correr umas três horas de manhã e outras três horas de tarde e isto era mais que suficiente para cumprir os 42 kms que me separavam da Santiago. Assim, tomei o pequeno-almoço muito calmamente e pouco passava das nove horas da manhã estava preparado para a jornada final. O sol brilhava, foi rompendo as nuvens como querendo iluminar o meu dia de glória! Saindo de Silleda até Bandeira o caminho segue por campos ladeados de riachos. Corria alegremente, cheguei até a assobiar respondendo ao canto dos pássaros. Depois, entrei numa estrada em asfalto com uma descida muito acentuada de 5 kms, pouco antes de chegar a Ponte Ulla, local onde inicialmente estava pensado fazer uma pausa para o almoço. Junto à igreja de Santa Maria Madaglena, tinha uma padaria na qual entrei. Com 21 km em apenas duas horas e cinquenta, perguntei à senhora que estava a servir, se em Outeiro, a próxima localidade, existia algum sítio onde se pudesse comer. A senhora disse-me que sim. Pedi-lhe para me carimbar a credencial e comprei-lhe um croissant. Resolvi prolongar a etapa em mais 4 kms, até Outeiro. Segui pelo caminho, a correr lentamente enquanto dava umas mordidas no croissant! Voltei a lembrar-me da pequena Diana e a imaginar que ela devia gostar de croissants!!! Sem quase dar conta, cheguei a Outeiro e ao albergue, com 25 kms e cerca de três horas e meia a dar à perna. A dona Maria, hospitaleira do albergue, recebeu-me lindamente, preparou-me um delicioso esparguete à bolonhesa, ao qual eu reguei com uma estrella galicia fresquinha! Depois do repasto estive por ali à conversa com uns ciclistas que entretanto chegaram e com o Walter um sociólogo austríaco aposentado, que há mais de 30 dias que caminhava pela Via da Prata e que falava português fluentemente. Perguntei-lhe como aprendeu a falar português, ele rematou com um lapidar: Aprendi, aprendendo!

Hay 17 kms a la catedral, 15 kms para llegar a Santiago! Garantiu a dona Maria que já tinha feito esse caminho a pé diversas vezes. Escutando o que ela dizia acerca do percurso pareceu-me razoável que demoraria entre duas horas e quinze e duas horas e meia a chegar lá. Assim, pelas cinco horas ia lançar-me para a etapa final. Estava já preparado para partir quando o marido da Dona Maria disse que ia ligar para a Guardia Civil pois estava um tipo sentado junto à entrada do albergue, com um aspecto duvidoso e que há mais de uma hora observava as bicicletas, para ver se podia dia roubar alguma coisa! Sinceramente, eu nem me tinha apercebido do caso. Entretanto o tipo, que também estava de bicicleta, pirou-se pelo caminho! Aconselharam-me a esperar um pouco! Mas, estava na hora de partir e eu disse que não tinha medo, já tinha feito 320 kms sozinho por montes e vales e agora às portas de Santiago não ia esmorecer! O marido da dona Maria disse que ia de carro uns 3 kms até uma povoação e depois voltava para trás para ver se conseguia saber aonde o tipo estava, podendo então partir em segurança. Eu disse-lhe que não era preciso, mas ele insistiu e também tive que prometer à dona Maria que assim que chegasse a uma localidade de nome A Susana, que era a uns 7 kms dali, que lhe ligava! Após estas peripécias lá meti as pernas ao caminho. Corria a bom ritmo, pelo que volvidos 2 kms, o marido da dona Maria que entretanto regressava de carro, disse que o rapaz tinha desaparecido pela estrada nacional. O ritmo foi aumentando gradualmente, bem mais forte que nos dos dias anteriores. A ânsia de estar próximo do final, liberta a mente, solta o corpo e as pernas ficam mais ligeiras. Alcancei a localidade A Susana e olhei para o meu cronómetro que marcava 42 minutos, abrandei o ritmo, mas sem parar, liguei à senhora do albergue:

Dona Maria, já estou em A Susana!

Graças a Dios! Pero tu volar, José!

Passados mais alguns minutos por entre o arvoredo vislumbro a ponta das torres da catedral! A partir daí a emoção toma conta de mim e vou subindo e descendo o caminho sem dificuldades, os olhos iam na ponta das sapatilhas, porque no cérebro passavam fotogramas do caminho a um ritmo alucinante. Chego à cidade e com a fralda da Casa da Criança esvoaçar na mão, num último fôlego antes de entrar no centro histórico enfrento a subida empinada da rua de Castrón Douro e as lágrimas começam a escorrer-me pela face. Finalmente, entro no Obradoiro, dou uma volta completa à praça, subo as escadas da catedral por um lado e desço pelo outro e…paro! Sou invadido por um estranho sentimento: frustração e satisfação! Por um lado a tristeza de ter terminado, por outro a alegria de ter cumprido a missão com êxito! Lanço um olhar sobre a praça e pela multidão que por ali se movimenta. Vejo uma criança a correr para os pais! Com os olhos em água esbocei um sorriso e tive a visão que a pequena Diana corria na minha direcção, que a abracei e lhe sussurrei ao ouvido:

Tu és a menina mais bonita do mundo!

A dona Maria não me tinha enganado, foram 17,1 kms corridos em uma hora e cinquenta e seis minutos. Pedi a uns portugueses para me tirar umas fotos e à medida que lhes ia explicando que corri desde Guimarães até Santiago, 330 kms em 6 dias – por uma causa, começaram a espalhar a notícia pelo grupo e a tecerem-me rasgados elogios! Dirigi-me à Oficina do peregrino para receber a Compostela e retirei-me para o Hospedaria San Martin Pinario – Seminario Mayor aonde ia pernoitar. Estava muito leve, calmo e com uma enorme paz interior! Depois do duche fui ao Monolo na praça Cervantes comer um caldo galego, uma massa com frutos do mar e a tradicional tarte de santiago. Bebi duas canhas e regressei à hospedaria. Deitado sobre a cama, adormeci a imaginar esta longa-metragem, que julgava ter acabado por aqui, mas afinal não…

 

Domingo, 26 de Agosto.

Levantei-me às nove horas e depois de um excelente pequeno-almoço na hospedaria, vim caminhar para as ruas e praças das imediações da catedral. Além de aproveitar o belo dia de sol, fazia também um bocadinho descompressão muscular. Apesar de não ser um católico de muito prática, gosto de assistir à missa do peregrino ao meio-dia. No final da eucaristia ia haver a cerimónia do botafumeiro, portanto fui cedo para a catedral e coloquei-me na primeira fila da nave lateral do altar maior, que segundo informações, era o melhor lugar para assistir ao movimento pendular do grande incensário a espalhar o perfume. Permaneci ali sentado em silêncio. Ora observava a beleza arquitectónica da catedral ou a constante chegada de peregrinos, em larga maioria jovens que davam um colorido e criavam uma atmosfera muito positiva no interior do templo. Enquanto decorria a missa, pensei no quanto eu gostava de ter a assinatura do sacerdote que celebrava a eucarística, na fralda da Casa da Criança, que orgulhosamente levava comigo! No altar, em redor do eclesiástico principal estavam mais de uma dúzia de padres de diversos países, entre os quais um português, que eu fixei aquando da liturgia proferida por ele em língua portuguesa. Terminada a missa e a bonita cerimónia do botafumeiro, vi todos os sacerdotes a entrar para a sacristia, que por mera casualidade era a dois passos de onde eu me encontrava. Dirigi-me para a porta e esperei que o padre português saísse. Interpelei-o acerca da possibilidade de o sacerdote principal poder assinar a fralda. Simpaticamente, disse-me que não tinha confiança com ele e que veio também como peregrino, que celebrou a missa porque é um dever de conduta sacerdotal. Enquanto eu mantinha este pequeno diálogo, um senhor com idade de respeito, escutou a conversa perguntou-me de onde eu era.

Sou de Guimarães!

Lá perto tem um santo que sou muito devoto!

Qual é o santo?

É o S. Torcato!

Este senhor era o mesmo que na hora do ofertório pedia com um saco e ostentava o traje compostelano grená. O senhor Adriano chegou a Santiago há 30 anos, proveniente de Matosinhos e ajudava nas tarefas religiosas da catedral desde essa data. Disponibilizou-se para me ajudar a obter a assinatura do sacerdote – Dom José Maria. Mandou-me entrar para o hall da sacristia e passados alguns minutos eu já tinha a almejada assinatura. Assim, através desta alma boa, o Deão, responsável máximo da Catedral de Santiago de Compostela, assinou a fralda por cima do logotipo da Casa da Criança de Guimarães. Quando estava preparado para me despedir do senhor Adriano, ele perguntou-me:

Já foi dar um abraço a Santiago?

Ainda não senhor Adriano! A fila é enorme e eu tenho de apanhar transporte para casa!

Espere aqui um bocadinho. Disse calmamente.

Entrou na sacristia e saiu com a indumentária vestida, agarrou-me pela mão e encaminhou-me por uma cancela que abriu com uma chave. Naquele momento pela mão do ancião, senti-me como se fosse a pequena Diana pela mão de um pai que provavelmente nunca teve – subi um pequeno lanço de escadas e em poucos segundos estava junto do apóstolo Tiago para lhe dar um profundo abraço. Despedi-me e agradeci ao senhor Adriano esta enorme graça que teve comigo. Ele apenas disse:

Se puder, passe em S. Torcato e peça ao santo pelo Adriano!

Curiosa atitude! Um homem, que praticamente vive numa catedral de grande devoção, pede-me para ser seu mensageiro e ir S. Torcato rogar que o santo o ajude! Obviamente, que já cumpri este pedido!

Obrigado à corrida por ter moldado na minha personalidade um carácter muito mais humanista!

Obrigado às crianças da Casa da Criança de Guimarães por me terem motivado a realizar esta aventura!

Obrigado à pequena Diana, minha fiel companheira nesta maravilhosa viagem que jamais esquecerei!

 

“D.A.Y.S.I. (Dios Ayuda Y Santiago Intercede)”

“Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.”

 

NOTAS:

– A pequena Diana existe, no entanto o seu nome é fictício;

– Neste momento a campanha de angariação de fundos vai em 1.389,9 €;

– Quem quiser ajudar a Casa da Criança de Guimarães pode fazê-lo através do NIB 0035 0363 00099924330 94;

– A viagem custou 270,0 € e eu doei à Casa da Criança 329,9 €.

 

José Capela

Josephum Capela

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9 COMENTÁRIOS

  1. Epá, Capela! Esta leitura vai ficar para o fds… desculpa lá. Até porque quero ler com toda a atenção. Mas parabéns, desde já!

  2. Caro, Luís!

    Foram dias muito intensos e que me deram uma enorme satisfação! É com muito prazer que partilho este diário com a malta das corridas!

    Quem sabe, se na próxima tu também embarques numa aventura do género!

    Obrigado pelo teu donativo.
    Abraço
    José Capela

  3. Caro José Capela,
    O seu acto é louvável e o seu relato simplesmente fantástico. PARABÉNS porque contribui desta forma para termos todos um mundo melhor!
    Também eu sou “Tio” de quase 20 crianças (da Casa Sol em Lisboa) e também eu já corri algumas vezes por elas… pelo que entendo muito bem o seu sentimento. Um grande bem-haja para si!
    Pedro João Reis
    P.S. http://www.facebook.com/pages/Correr-pela-Associa%C3%A7%C3%A3o-Sol/172853596087406.

  4. Capelo li a descrição do principio ao fim que grande aventura e só acho possível da parte de alguém com muita força interior. Bem haja.

  5. Enorme Capela. Enorme. O feito, a intenção, o atleta que és, a humildade que projectas em tudo o que fazes, e agora, a solidariedade. E quem te conhece sabe que vais cumprir, multiplicar e contagiar todos com esta nobre causa.
    A dias de começar o Caminho, este relato é retemperador. Espero estar à altura.
    Abraço!

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