Dada a pertinência do assunto em causa e a pedido do autor, transcrevemos hoje na íntegra, o artigo de José Guimarães, responsável pelo blog De Sedentário a Maratonista.
Já por diversas vezes me deparei com esta questão, mas nunca exerci o direito de livre expressão… no entanto vai ser hoje mesmo! E que me desculpem os mais sensíveis pela linguagem nalgumas passagens…
Motoqueiros e motards
Há alguns anos atrás (e durante largos anos até) tive uma moto. Uma não! Que me lembre tive uma data delas, desde a Vespa à Honda CBR 1100XX, posso dizer que experimentei de tudo. Ainda hoje tenho uma Africa Twin na oficina, desmontada, à espera que a “troika” se vá embora, para poder lá ir buscá-la e pagar ao mecânico… mas adiante! Foram muitos anos a andar de moto e deu para ver de tudo, os que respeitam e os que se estão (desculpem o calão) a cagar!!! E por causa dos últimos quem é que depois pagava as favas? O justo pelo pecador, como sempre. Tínhamos que fazer pré-pagamento nas bombas de gasolina, só porque íamos de moto, porque normalmente a malta de moto foge sempre sem pagar. E tínhamos que ouvir alguém a chamar-nos de motoqueiros, porque só sabem é acelerar a fundo, fazer barulho e dar “rateres”, quando o que sentíamos na alma é que, na realidade, éramos motards. Ainda me lembro deste ou daquele amigo que perderam a vida num rail não protegido, numa estrada qualquer, que afinal estavam lá para os proteger… E ainda me lembro da altura em que, ao cruzar-me na estrada com outro motard, fazer o cumprimento com os dedos em “V” era um sinal de reconhecimento, respeito, civismo, cumplicidade e sei lá mais o quê. E ainda me lembro quando isso começou a deixar de se ver.
O treino de hoje
Hoje eram 7h00 da manhã quando estava a correr por uma das encostas da Serra de Sintra. Objectivo: ver o sol nascer lá de cima, no marco geodésico da Pedra Amarela e depois meter uns kms fora de estrada, como treino para o Trilho dos Abutres, no próximo dia 28 Janeiro.
Já perto da Peninha, ao lado da placa de madeira que indica 2,9km até à Pedra Amarela, encontrei lixo no chão. Podiam ser uns lenços ou uns preservativos usados (que se encontram aos montes em Monsanto), deixados por alguém que não tem nada a ver com a floresta, mas infelizmente não. Eram mesmo umas saquetas de gel energético já vazias, deixadas por algum “atleta” que por ali passou, fosse a pé ou de bicicleta. E não foi só aqui… dei com, pelo menos, mais 3 locais sujos, inclusive com copos de papel com marca de bebida energética (?!!!).
A minha observação é: se opto por fazer trail (ou trail running) é porque gosto! Claro que gosto de correr noutros locais, mas gosto mais de correr no meio da natureza do que no asfalto. Gosto da simbiose, de respirar ar puro, da dificuldade das subidas e da pica que me dão as descidas. De gerir os kms! Ou de escalar uma rocha até um precipício, ou por vezes não saber bem onde estou e ter de encontrar o caminho de regresso (obrigado Inês pela prenda de Natal). O ponto principal é que gosto e, se gosto, não estrago! Também eu uso saquetas de gel e até as tenho presas de forma algo arcaica ao meu camel bak, mas nem por isso elas caem ao chão. E nem quando as uso deito para o meio do mato a saqueta vazia. Porquê? Porque tal como respeito o motard que passa por mim na estrada, também respeito o outro atleta que, como eu, também se identifica com o estar ali… e também respeito o meio ambiente que me rodeia, como Ser vivo que é!
Portanto, não consigo simplesmente conceber como é que há quem se vá encher de saúde num local mágico como a Serra de Sintra e simplesmente não guarde o seu lixo até chegar a um contentor, onde o possa despejar sem qualquer dificuldade acrescida. Hmmm, porque depois fica com a mochila ou os bolsos besuntados de gel? Pois claro! Mas não deve ser pior do que esse cheirinho a suor acrescido de lama, que quando chega a casa tem que lavar imediatamente, ou a mulher e os filhos não o deixam entrar! E como agem estas “criaturas” numa prova como um GTSA – Grande Trail Serra D’Arga, um UTAM – Ultra Trail Amigos da Montanha (falo dos que conheço, mas calculo que seja apanágio deles todos), ou ainda o próximo Trilho dos Abutres, onde há indicações claras no regulamento que quem for apanhado a deitar lixo pode mesmo vir a ser desclassificado? E será que pensam que as saquetas pura e simplesmente se desintegram? Sim, decompõem-se… ao fim de uns 400 anos!
Atleta ou “alguém que corre”?
Não agora, mas mais tarde, depois de uns anos valentes de trail running, não tardaremos muito em ouvir alguém falar daqueles “malucos das corridas que vão para aí sujar a floresta”… e então, tal como os motards um dia passaram a ser motoqueiros, também os atletas vão passar a ser somente alguém que corre.
Pensem um pouco por favor, não custa assim tanto.
Autor: José Guimarães
Publicado em De Sedentário a Maratonista
Partilho a 200% do que pensa o José Guimarães a propósito dos que não vêem qualquer mal em sujar a montanha, mas que, com toda a certeza, gostam de encontrar a montanha no seu estado natural, sem conspurcações dos que se deliciam com ela. Não partilho, no entanto, na distinção que faz entre “atleta” e “pessoa que corre”, como se o atleta fosse o cumpridor e a pessoa que corre, o energúmeno que deita o pacote de gel ou a garrafa da água para o chão. Sempre tive algum pejo em dizer que sou “atleta” porque sei que ser atleta é algo mais do que aquilo que faço pela Corrida.Gosto mais de me designar por “corredor” porque considero isso menos pretencioso. Mas também poderia ser “pessoa que corre” que também me assentaria bem. Deitar lixo para o chão é uma questão de bom senso que nada tem a ver com ser um grande atleta ou com um simples corredor da cauda do pelotão. Devo até dizer que no pelotão “profundo” se assiste a uma maior consciência ecológica que nos atletas de elite. Não havendo o tal bom senso, a única safa para estas coisas é um controlo apertado por parte das organizações. Demora um bocadinho o check in, mas se à chegada o corredor tiver de apresentar as embalagens com que se apresentou na partida, sob pena de penalizações ou mesmo desclassificação, aí a coisa seria vista com outro cuidado.
Nem mais, José e Fernando, somos um país inculto e habitado por grunhos. Infelizmente é pretensão nossa pensar que os corredores são diferentes; há de tudo … como na farmácia …
eu como bttista há muitos anos, na altura descobri a montanha, o pessoal tinha um grande respeito pela natureza, não havia ainda maratonas, era o prazer lúdico sem preocupações. com o enorme e rápido desenvolvimento da modalidade, a competição é grande, a forma tem que estar apurada e a mentalidade já não é a mesma da altura, começaram a aparecer objectos a conspurcar os nossos locais, por gente descuidada e mal formada.
na corrida passa-se o mesmo, o corredor de pelotão já não desfruta só da natureza, é competitivo, pode ser competitivo mas também ter civismo.
como corredor de pelotão lá muito do fundo, considero-me aquele que corre, só pelo simples facto de não ser federado, geralmente faço assim a distinção, mesmo que os federados pedalem ou corram menos que eu.
boas corridas.
obs. vai começar a época de duatlo, para quem gosta esteja atento, inicio n em 18 no fundão e a grande prova no jamor no final do mês de janeiro
Assertivo e pertinente, este conjunto de reflexões de José Guimarães demonstram, para além do gosto pelas corridas, as suas preocupações face a um mundo onde a “recessão” afecta valores morais como o civismo e o respeito pela propriedade alheia (e que afinal é de todos).
Que coincidência ! No passado dia 14 Janeiro também passei por essa placa da Pedra Amarela, e também pensei nos atletas (runners e BTTistas) porcalhões da Serra de Sintra. Pior mesmo está a zona das Merendas junto á Peninha !
Amigos atletas, presunção e água benta, cada um toma a que quer! Bons treinos, seja na serra, pista, areia, asfalto ou terra! Cumprimentos desportivos.
AMIGO ATLETA MOTARD
Se existem identificações perfeitas, esta aconteceu na totalidade, pela nossa simples ideia de cumprimento de “V” quando me cruzo com alguém com quem me identifico na minha actividade tanto de mota como num simples treino.
Por esta descrição o meu obrigado José Guimarães.
Em relação às saquetas e restante lixo é a nossa educação (não faças o que não gostas), a saqueta cabe no suporte, no bolso, tanto cheia como vazia e partindo deste pressuposto, conseguimos qualidade de existencia, mas para isso é preciso querer, respeitar, aceitar e quem sai benefeciado nesta maneira de estar na vida sou eu.
Desejo uns bons kms com saúde para todos os atletas incluindo motards ou não.
Carlos Monteiro
É como tudo na vida, deixam o lixo na natureza, apagam os cigarros nos degraus da entra dos prédios, atiram as beatas acesas pelas janelas, largam pilhas usadas na rua, etc. etc.
Ainda falta muito ao ser humano para saber dar valor ao que tem gratuitamente.
bj eugénia
A consciência ecológica deveria ser transversal, independentemente do credo: desportivo, natural, ambiental, profissional. É uma necessidade evitar a degradação ambiental. A protecção da Natureza e Ambiente está regulada pela lei.
Cumps
De acordo com o Fernando (totalmente) e com José Guimarães (em grande parte). Atletas, corredores ou alguém que corre, pouco importa. O que interessa é que sejam asseados!
Nem só os ricos (os referidos atletas) são asseados… Recordo-me bem de a minha mãe nos dizer: “Podemos ser pobres (corredores ou pessoas que correm), mas asseados!”
Orlando Duarte