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Que raio de Pai és tu?

António PinheiroAqui há dias, o meu clube de coração afastou-se irremediavelmente (?) do primeiro lugar mas, nas redes sociais, os adeptos festejavam um abraço entre pai e filho.

Pensei, furioso, “a que ponto nós chegamos que, em vez de festejar vitórias, festejamos abraços?” Logo eu, que não sei lidar com o contacto físico.

No “scroll” do Facebook e do Instagram, sucediam-se as fotos do abraço, das lágrimas, da emoção.

Pensei, envergonhado, “que raio de desportista és tu? Que raio de Pai és tu?”

Um abraço será sempre um abraço. Um abraço entre pai e filho, é sempre algo mais. Um abraço no Desporto é um troféu.

O meu filho mais novo dormia ao meu lado. Ele que percebe como ninguém quando os pais estão tristes, aborrecidos, ou com algum problema, corre a abraçar-nos e diz “isso passa!”. Ele que, mesmo a dormir, não deixa de procurar colocar o braço dele sobre nós.

Então, a imagem do abraço entre aquele treinador e aquele atleta, entre aquele pai e aquele filho desvaneceu-se e recuei uns anos na minha memória, até à primeira prova do meu filho mais velho, num “trail kids”. Ele teria uns três anos. Andava, há semanas, ansioso pela sua prova. Queria correr “como o pai”.

Quando lá chegamos, ao ver o ambiente de festa e todas as outras crianças, virou costas a chorar e quis ir embora. Não deixei. “Foste tu que quiseste vir, foste tu que pediste, agora vais correr!”

Correu comigo ao lado, teve o apoio e incentivo de crianças mais velhas. As pessoas no percurso iam aplaudindo e ele ia sorrindo. Chegou ao fim feliz da vida e abraçou-me. Coisa rara entre nós os dois, que gostamos mais de nos abraçarmos com os olhos.

No ano seguinte, na mesma prova, lesionou-se no joelho dias antes. Antes de sairmos de casa perguntei-lhe se se sentia bem para correr, se tinha dores. “Não, não dói.”

Mas o joelho era uma chaga. Ao correr, certamente, as crostas iam abrir. E abriram, mas ele correu. Chegou ao fim feliz da vida e abraçou-me. Coisa rara entre nós os dois, que gostamos mais de nos abraçarmos com os olhos. No carro, desabou em lágrimas com as dores. Chorou até casa.

Mais tarde, levei-o a uma caminhada solidária de 9 quilómetros. Correu, saltou, queria ser “o primeiro da caminhada”. Chegou ao fim exausto, vomitou e abraçou-me. Coisa rara entre nós os dois, que gostamos mais de nos abraçarmos com os olhos.

Os abraços continuam a ser coisa rara entre nós os dois, que gostamos mais de nos abraçarmos com os olhos. Mas temos sempre um verdadeiro abraço guardado para aqueles momentos especiais na Escola, na Música, no Desporto, na Vida.

Estes abraços são as nossas conquistas, os nossos troféus.

António Pinheiro

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António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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