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Dar o Tilt

Dar o TiltJogos Olímpicos de Sydney, ano 2000. Carla Sacramento, uma das esperanças portuguesas para as medalhas, apresenta-se como candidata a um lugar no pódio da final. Fazendo a corrida entre as primeiras, na última volta, “inexplicavelmente”, foi ultrapassada por uma série de atletas.

Entre a desilusão e o escárnio, o meu pai dizia “parece que está a correr para trás”. E, olhando para a televisão, parecia mesmo, tal era a velocidade com que as outras passavam por ela.

Vila Nova de Gaia, ano 2021. Saio de casa determinado a correr hora e meia. Não me interessava a distância, queria correr hora e meia. Mas, ao fim de um minuto e meio, queria ir para casa. A cabeça pedia, as pernas não andavam. E quantas vezes é ao contrário. As pernas estão fortes mas a cabeça está noutro lado?

Aguentei neste dilema durante uma hora e dez minutos. “Oh pá… só faltavam vinte minutos”. Mas iam ser vinte minutos de tortura. Logo eu, que nos Trilhos do Paleozóico desisti a nove quilómetros da meta.

Terminaram recentemente os Jogos Olímpicos de Tóquio (de 2020, disputados e, 2021, pelos motivos que nós sabemos). Terminou hoje a Volta a Portugal. Dois eventos desportivos que acompanho desde muito criança e que são paradigmáticos destas expectativas frustradas, relativamente aos nossos atletas de eleição.

Quantas vezes, sentados comodamente em frente à televisão, não olhamos para aqueles homens e mulheres e pensamos: “porquê?”

Porque não corres? Porque não saltas? Porque não nadas? Porque não explodes a pedalar, como já fizeste tantas vezes, noutras ocasiões? Porque não rematas? Porque não cruzas?

A verdade é que por muitos juízos que façamos, o que vai na cabeça e nos músculos deles, só eles sabem. E tendemos a não entender, ou querer entender, isso.

Podem ter acordado, naquela manhã, cheios de “ganas” de correr mais rápido, saltar mais longe, pedalar mais alto. Mas…

É este “mas” que o público em geral, principalmente aquele que nunca praticou desporto, tende a não considerar. Mas é o “mas” que faz toda a diferença. Muito mais que as condições, os apoios, ou até o treino. É o estar pleno, na cabeça e nas “pernas”, naquele exato momento.

Se, esta manhã, eu, comum mortal, corredor de “fim de semana”, tive um “apagão” na hora do meu treino, imaginem quem carrega um clube, ou um país às costas. Quem tem que provar o seu valor a cada passo, cada braçada, cada pedalada e, mesmo assim, ainda tem que ler nas redes sociais: “então? foram a Tóquio só passear?”, “porque é que o fulaninho não atacou na Serra da Estrela?”

Os grandes pontas-de-lança falham penalties, os grandes guarda-redes dão frangos, os grandes ciclistas ficam para trás, os grandes maratonistas desistem, a Simone Biles “deu o tilt.”

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António Pinheiro
António Pinheiro
Profissional de marketing, músico e corredor por prazer. Corre na estrada, no monte e de um lado para o outro na vida, atrás e à frente dos filhos.

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